ANISTIA INTERNACIONAL desmente discurso de Bolsonaro
A
Anistia Internacional, uma das maiores ONGS de defesa dos direitos humanos do
mundo, divulgou uma longa nota na noite desta terça-feira (21) em que rebate o
discurso de Jair Bolsonaro na Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas
(ONU) em Nova York (EUA).
Abaixo a
íntegra da nota da Anistia Internacional:
“O Brasil apresentado pelo presidente Jair
Bolsonaro na Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em Nova Iorque nesta
terça-feira (21), é um país sem corrupção, que respeita a Constituição Federal,
investe no barateamento da produção de alimentos e goza de grande credibilidade
nacional e internacional. No Brasil de Bolsonaro, a legislação ambiental é uma
das mais completas do mundo, o esforço em zerar o desmatamento ilegal é uma
realidade e a Amazônia é exemplo de preservação. A pandemia, para o presidente,
foi enfrentada de modo a combater o vírus e garantir os bons números na
economia.
No entanto, essa imagem nega o que fatos e dados
revelam: o país atravessa um período estendido de instabilidade e crises
política, econômica, sanitária e de direitos humanos. A Anistia Internacional
Brasil afirma que o Brasil apresentado por Jair Bolsonaro não existe. Há graves
ameaças aos direitos humanos e violações de direitos de povos indígenas, dos
cerca de 19 milhões de brasileiros que passam fome neste momento no país e das
famílias das quase 600 mil vidas perdidas para a Covid-19.
A gestão da pandemia de Covid-19 no Brasil tem sido
marcada por descompromisso e omissões do Governo Federal, que até hoje insiste
no chamado “tratamento precoce” em detrimento e/ou minimização da adoção de
medidas contundentes e cientificamente comprovadas para a prevenção e
recuperação da doença. Episódios de colapso do sistema de saúde, diversas
dificuldades para que a vacinação em massa fosse uma realidade e denúncias de
superfaturamento na compra de imunizantes são de conhecimento amplo e público e
objetos de investigação da CPI da Covid, instaurada para apurar a atuação
governamental frente à crise sanitária. É inadmissível que até hoje a população
brasileira enfrente uma pandemia global agravada por uma administração política
irresponsável.
Pessoas de grupos historicamente discriminados como
a população indígena, negros e negras e as famílias mais pobres têm sido
desproporcionalmente impactadas pela emergência sanitária, agravada por
diversas camadas da crise social que torna cada vez mais precárias as condições
de vida dos brasileiros e brasileiras.
A pandemia contribuiu para que a quantidade de
brasileiras e brasileiros com fome ou em insegurança alimentar aumentasse em
2020. Falta comida no prato de quase 9% das pessoas no Brasil, o equivalente à
população do Chile. A relativa queda dos índices de pobreza no ano passado não
se manteve em 2021, quando o repasse do auxílio emergencial foi interrompido
por três meses e retomado em menor valor e para um menor público. No primeiro
trimestre de 2021, o Brasil também alcançou a maior taxa de desemprego desde
2012, totalizando 14,7% milhões de pessoas desempregadas, segundo o IBGE.
Apesar deste cenário, o Presidente da República,
Jair Bolsonaro, segue à frente de investidas contrárias às necessidades e
urgências da população e às pautas prioritárias da agenda global, como o
combate à pandemia da Covid-19, a defesa do meio ambiente e o enfrentamento às
mudanças climáticas.
Não há política pública para combate ao
desmatamento ilegal em andamento no Brasil. A situação da Amazônia é crítica. Órgãos ambientais estatais estão sucateados e foram enfraquecidos
desde o primeiro dia do governo Bolsonaro e o próprio ex-ministro do meio
ambiente, Ricardo Salles, tem sido apontado como responsável por essas medidas,
sendo investigado por esquema ilegal de extração de madeira. A cobertura
florestal sofre pressões ao ponto em que no primeiro semetre de 2021, a
Amazônia brasileira teve a maior área sob alerta de desmate em 6 anos, segundo
dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE). O acumulado de alertas de
desmatamento em 2021 na Amazônia foi de 8.712 km², o que equivale a cinco vezes
a cidade de São Paulo, maior metrópole do Brasil.
Indígenas brasileiros não vivem “em liberdade”,
conforme afirmou o presidente Jair Bolsonaro. A vida na floresta tem sido
marcada por sérios riscos de violações de direitos humanos dessas populações
por parte de grileiros, madeireiros e invasores de terras. O relatório Conflitos no Campo 2020, elaborado pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT), registra que, em meio a pandemia, 39% das vítimas de
assassinato em contextos de conflito no campo no Brasil eram indígenas, que
também representam 34% das pessoas que sofreram tentativas de homicídio e 16%
das que se encontram em situação de ameaça de morte.
Na agenda climática, o presidente afirmou o
protagonismo que o país tem e de que deve alcançar a “neutralidade climática”,
enquanto ignorou o imenso retrocesso realizado pelo atual governo em relação às
metas de redução de emissões perante o Acordo de Paris. A última atualização de
metas realizada em dezembro de 2020 autoriza que o país emita mais do que havia
se comprometido inicialmente em 2015, em uma clara redução de ambição. Além dessa
nítida discordância com os princípios do Acordo, a gestão Bolsonaro não
apresentou informações suficientes para apontar como as reduções serão
atingidas em médio e longo prazo. Tudo isso enquanto ativamente desmonta as
políticas de proteção ambiental responsáveis por controlar as emissões do país.
Por fim, alega ainda que o futuro dos empregos verdes está no Brasil, sem
qualquer ação em nível nacional orientada à construção de capacidades
profissionais nesse sentido.
O Brasil que Bolsonaro apresenta ao mundo não
existe. Pelo contrário, o país vive graves ameaças aos direitos humanos
fundamentais revelados por dados e fatos e que afetam o dia-a-dia de
brasileiros e brasileiras. A Anistia Internacional Brasil reafirma seu
compromisso de luta por uma sociedade mais justa e que garanta que nenhuma
pessoa seja deixada para trás no acesso aos seus direitos humanos fundamentais.
Essa busca pelo Brasil real deve ser perseguida pela sociedade civil organizada
e também pelas autoridades públicas de todos os poderes constituídos no país.“
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