BRT Rio: do reconhecimento ao colapso
BRT
Rio: do reconhecimento ao colapso
01/06/2021
Sistema premiado e aprovado pelos clientes perde
capacidade e sofre intervenção pública
Transporte Rápido por
Ônibus (BRT), em inglês Bus Rapid Transit, é um tipo de transporte com ônibus
articulados que operam em um corredor exclusivo, com faixas segregadas,
terminais e estações de embarque para os passageiros. O sistema é uma espécie
de metrô de superfície, com o objetivo de garantir mais agilidade, rapidez e
conforto aos passageiros e melhorar a mobilidade urbana nos grandes centros.
Criado em 1974, em Curitiba (PR), pelo então prefeito da cidade, o arquiteto
Jaime Lerner, o BRT já é utilizado em mais de 140 países. Na cidade do Rio de
Janeiro, foi inaugurado em 2012, quando o primeiro corredor, o Transoeste,
começou a funcionar.
A implantação dos
corredores cariocas foi impulsionada devido à realização da Olimpíada de 2016,
na cidade. O dossiê da candidatura do Rio à sede da competição previa a
construção dos corredores Transoeste, Transcarioca e Transolímpica.
COMEÇO DO SISTEMA NO
RIO
O Transoeste teve sua
primeira fase inaugurada em junho de 2012, ligando o Terminal Alvorada, na
Barra da Tijuca, ao bairro de Santa Cruz, na Zona Oeste. A segunda etapa foi a
ampliação da via para Campo Grande e Paciência. Em agosto de 2016, foi
implementado o Lote Zero, que integra o corredor à linha 4 do metrô, no
Terminal Jardim Oceânico. Ele percorre 60 quilômetros de pista exclusiva, conta
com 62 estações e quatro terminais (Alvorada, Santa Cruz, Campo Grande e Jardim
Oceânico).
O Transcarioca foi
inaugurado às vésperas da Copa do Mundo do Brasil, em 2014, ligando a Barra,
também a partir do Terminal Alvorada, ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, na
Ilha do Governador, e passando por 27 bairros da Zona Norte e Oeste e 45 estações,
ao longo de 39 quilômetros. Nas estações Madureira/Manaceia e Olaria, integra
com os trens da Supervia e, em Vicente de Carvalho, com a linha 2 do Metrô.
Já o Transolímpica
começou a operar em julho de 2016, com circulação restrita, apenas para servir aos
Jogos Olímpicos. Sua inauguração e início da operação oficial foram em agosto
de 2016. O corredor liga o Recreio dos Bandeirantes, na Avenida Salvador
Allende, ao bairro de Deodoro, possui 26 quilômetros de pista exclusiva, passa
por 11 regiões e conta com 18 estações e três terminais (Recreio, Centro
Olímpico e Sulacap).
O Transbrasil, não
contemplado no dossiê e cujo projeto prevê a ligação do Centro do Rio com o
bairro de Deodoro, ao longo de 30 quilômetros de extensão, começou a ser construído
em 2014, mas enfrentou paralisações que já resultaram num atraso de quatro
anos, até o momento.
OLIMPÍADA: MISSÃO
CUMPRIDA
A rede de BRT
implantada no Rio de Janeiro, considerada legado dos Jogos Olímpicos, é fruto
de políticas públicas, que já faziam parte dos planos de mobilidade e
urbanização da cidade, por recomendação de especialistas em transporte, muito
antes de sua candidatura à sede da competição. Durante os 17 dias de Olimpíada,
entre 5 e 21 de agosto de 2016, o Rio recebeu mais de um milhão de turistas e o
BRT transportou 11,7 milhões de passageiros. Considerando os Jogos
Paralímpicos, realizados em setembro do mesmo ano, e o período entre as duas
competições, o sistema chegou a transportar quase 20 milhões de passageiros. O
serviço foi elogiado pelo então prefeito Eduardo Paes, em balanço sobre o
evento, apresentado a jornalistas, no dia 23 de agosto. A capacidade do sistema
de transporte da cidade, que incluía metrô, trens, VLT e barcas, além do BRT,
foi o destaque daquela coletiva de imprensa. Além disso, nas avaliações
realizadas à época do evento esportivo, pela consultoria internacional que
acompanha a parte de mobilidade dos Jogos, foi atribuída uma nota excelente ao
BRT carioca.
PREMIAÇÕES
INTERNACIONAIS
Não foi a primeira
vez que o prefeito elogiou a rede de BRT do Rio. Em junho 2015, após três anos
de operação, o sistema carioca venceu o UITP Awards, na categoria Estratégia de
Transporte Público. O prêmio reconhece projetos inovadores e alinhados com uma
estratégia de fomento ao transporte sustentável e é concedido pela Associação
Internacional de Transporte Público (UITP). O BRT Rio foi o único projeto de um
país da América Latina indicado entre os 25 finalistas de seis categorias, que
concorreram com mais de 200 projetos do mundo inteiro. Na ocasião, Eduardo Paes
disse que “receber este prêmio demonstra o quanto o BRT é transformador na vida
dos cariocas”. E esse não foi o único prêmio conquistado pelo BRT Rio. Já em
janeiro de 2015, o sistema deu à cidade o Sustainable Transport Award (Prêmio
de Transporte Sustentável), concedido anualmente, pelo Instituto de Políticas
de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), para “estratégias inovadoras de
transporte que protegem o meio ambiente e aumentam a segurança, além de
promover eficiência para os usuários”. O comitê do Prêmio de Transporte
Sustentável enfatizou, na época, que o BRT carioca estava “a caminho de atingir
os objetivos do plano de mobilidade até 2016”. A análise de impactos foi
realizada em 2013, no Transcarioca, e mostrou significantes reduções de
emissões de gases de efeito estufa.
74% DE APROVAÇÃO DOS
PASSAGEIROS
Entre as duas
premiações, o sistema recebeu também o reconhecimento por parte de seus
clientes. Em pesquisa divulgada em maio de 2015, o Transoeste registrou índice
de 74% de aprovação dos usuários. O levantamento foi conduzido pelo Instituto
Datafolha, que entrevistou mais de três mil passageiros dos dois BRTs então em
operação no Rio, entre os dias 25 de março e 12 de abril daquele ano. Do
percentual de aprovação, 25% das pessoas disseram que estavam muito satisfeitas
e 49% satisfeitas com os serviços. A pesquisa demonstrou também que o BRT era o
meio de transporte mais bem avaliado entre os entrevistados. Um dos pontos
fortes do sistema, identificado no levantamento, foi o tempo de viagem dos
usuários, considerado a principal vantagem para 86% dos pesquisados. Outro
ponto positivo foi que 80% dos usuários afirmaram que nunca haviam tido
problemas nas estações ou nos veículos do BRT. Em pesquisa de 2013, feita pelo
Instituto Insider, que avaliou apenas o Transoeste, único em funcionamento
naquele ano, o índice de satisfação geral chegou a 93%.
VIOLÊNCIA E
VANDALISMO
A violência crescente
e a falta de segurança pública foram fatores determinantes para a deterioração
do BRT Rio. No fim de maio de 2018, traficantes tomaram parte das estações do
Transoeste, entre o ramal Cesarão 1 e o terminal Campo Grande, trecho que
atendia a 30 mil passageiros. Os bandidos invadiram pelo menos cinco estações,
ameaçando funcionários. Os locais viraram quiosques e lojas para o tráfico de
drogas. Na noite de 28 de maio, em Madureira, bandidos usaram granito para
quebrar os vidros da bilheteria, por onde tentaram levar o computador da
estação Madureira Manaceia, do corredor Transcarioca. O serviço da linha 17
chegou a ser interrompido diversas vezes, por causa de conflitos. O Consórcio
BRT Rio informou, na época, que todas as estações, sem exceção, já haviam
sofrido algum tipo de vandalismo. Entre março e abril daquele ano, o BRT
retirou 664 vezes articulados de circulação por causa de vandalismo. Isso
resultou numa frota operacional menor e no aumento dos intervalos dos serviços.
ASFALTO DETERIORADO
Além dessas questões,
havia também o problema de conservação do asfalto. Em vários trechos, a pista
estava cheia de buracos e remendos, causando mais prejuízos à frota e à
operação. Já nos primeiros meses após a inauguração, em 2012, o asfalto do
Transoeste apresentava deficiências graves e constantes. O pavimento sofreu com
o peso dos veículos e foram formadas ondulações e depressões que se agravaram
ao longo do tempo. Segundo especialistas, o material utilizado na pavimentação
deveria ter sido concreto ou pavimento rígido, e não o que foi empregado. Já o
Transcarioca, apesar da pista rígida, tinha crateras decorrentes da falta de
manutenção. Isso teve um impacto significativo no tempo da vida útil dos ônibus
, que sofreram danos nos seus componentes, comprometendo a manutenção, e uma
redução importante no seu tempo de uso.
MEDIDAS DE PREVENÇÃO
Com os problemas de
infraestrutura, os ônibus articulados passaram a apresentar defeitos mecânicos
constantes, inviabilizando a operação de 100% da frota. Para minimizar esses
problemas, foram adotadas medidas preventivas como o “by-pass” (desvio da calha
para a pista comum e posterior reingresso mais à frente) e a diminuição de
velocidade nos trechos mais críticos. Ambas as medidas causavam maior tempo de
viagem, prejudicando os passageiros e encarecendo a operação, devido à perda de
receita por veículo. No dia 16 de maio de 2018, uma matéria do programa de TV
RJ1 mostrou que a prefeitura reconhecia o desnivelamento do asfalto do BRT
Transoeste, cujo reparo custaria R$ 35 milhões. “A rapidez do BRT, indicada em
pesquisas como o maior benefício do sistema, foi gravemente afetada pelas
condições da pavimentação. Em algumas áreas, onde antes os veículos alcançavam
70km/h, agora chegam a no máximo 20km/h”, afirmou Suzy Ballousier à Revista
Ônibus de setembro de 2018.
CRISE DO TRANSPORTE
AGRAVA SITUAÇÃO
Todos esses problemas,
aliados à crise vivida pelo setor de transporte público, devido à queda
crescente no número de passageiros, à falta de investimento público e de
políticas de incentivo, e ao aumento dos custos de manutenção e operação,
levaram o sistema ao colapso. Projetado para atender, em média, 610 mil
passageiros por dia, chegou a transportar 700 mil. No entanto, desde 2016, o
número de pessoas transportadas começou a cair gradativamente. Em 2018, eram
450 mil passageiros por dia, incluindo as gratuidades. A queda já agravava a
situação das empresas, que ainda precisavam lutar pelos reajustes tarifários
previstos em contratos, mas que vinham sendo descumpridos. Em 2017, a tarifa,
de R$ 3,80, foi reduzida duas vezes, chegando a R$ 3,40 em novembro, e voltando
a subir somente em fevereiro do ano seguinte, para R$ 3,60. Atualmente, o valor
é de R$ 4,05, mas a média recebida, devido às integrações, fi ca em R$ 2,67.
INTERVENÇÃO E APORTE
DE RECURSOS
Em janeiro de 2019, o
então prefeito do Rio, Marcelo Crivella, anunciou a primeira intervenção no BRT
carioca, com a finalidade de reestruturação. Após seis meses, a operação foi
devolvida ao Consórcio, sem melhorias efetivas e com exigências de investimentos
em segurança e policiamento, reforma das estações e recuperação e compra de
veículos. Em 2020, com a pandemia da Covid-19, a rede acumulou perdas de
receita de aproximadamente R$ 200 milhões, entre os meses de março e dezembro.
Diante da ausência de recursos, o sistema passou a enfrentar dificuldades cada
vez mais preocupantes e, sem investimentos, irreversíveis. Por isso, não foi
surpresa para a Fetranspor ou para o Rio Ônibus quando, após a intervenção
iniciada pela prefeitura, no dia 23 de março deste ano, com o objetivo de
“requalificar o sistema BRT e assegurar a continuidade da prestação do
serviço”, conforme afirmado em matéria do G1, de 19 de março, foi anunciado o
aporte de recursos de R$ 133 milhões. “A conclusão do município confirma tudo o
que foi dito pelos operadores ao longo dos últimos anos”, declarou o Sindicato.
SOLUÇÃO DOS ANTIGOS
PROBLEMAS
Entre as ações
previstas na intervenção, estão: aumento da frota, de 120 para 241 ônibus;
reabertura de estações fechadas; pagamento de folha de funcionários; melhorias
de infraestrutura; reforço da segurança nas estações, e combate ao calote. Ou
seja: a solução de todos os problemas vividos pelo Consórcio BRT desde o início
de seu funcionamento, a maioria deles por fatores externos e não contemplados
em contrato. O plano da prefeitura envolve as secretarias de Transportes, de
Ordem Pública, Conservação, Infraestrutura e as subprefeituras da Zona Oeste,
Zona Norte, Jacarepaguá e Barra da Tijuca, que, finalmente, se unem pelo bem da
mobilidade urbana. Também participam: Cet-Rio, Rioluz, Comlurb e Centro de
Operações Rio. “Acreditamos que, com o reconhecimento das dificuldades pelo
poder público municipal e sua sensibilização, após todos esses investimentos e
melhorias e envolvendo todos esses atores, o serviço possa, de fato, voltar ao
índice de satisfação da população apresentado no início do seu funcionamento”,
afirma Armando Guerra, presidente da Fetranspor.
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