terça-feira, 1 de agosto de 2017

CIVILIDADE & CIDADANIA - A roupa nova do rei


Um calhorda esperto, fazendo-se passar por um alfaiate de terras distantes, diz a um soberano muito vaidoso, conhecido por ostentar toda sua riqueza nas vestes reais, que poderia fazer uma roupa estupidamente bonita e cara, que aprendera a costurar com um mago mas que, por conta da magia envolvida, apenas as pessoas mais inteligentes e astutas poderiam vê-la. O rei gostou da proposta e pediu ao falso alfaiate que fizesse uma roupa dessas para ele, já se imaginando ostentando sua riqueza, poder e maravilha diante de seu povo faminto e dos reis de outros reinados próximos, de forma a deixar bem claro o seu poder. O velhaco e pretenso alfaiate recebeu vários baús cheios de luxo, com rolos de linha de ouro, seda pura da China e outros materiais raros e exóticos, exigidos por ele para a confecção das roupas. Ele guardou para si todos os tesouros e ficou em seu tear, fingindo tecer fios invisíveis, que todas as pessoas que se mostravam curiosas alegavam ver, de modo a não parecerem estúpidas perante o rei e os demais súditos importantes de sua magestade.
Quando um dia o rei se cansou de esperar, ele e seus ministros quiseram ver o progresso da obra real criada pelo suposto "alfaiate". Assim que o falso tecelão mostrou a mesa de trabalho vazia o rei exclamou:
– Que lindas vestes! Você fez um trabalho magnífico! – embora não estivesse vendo nada além de uma simples mesa, já que reconhece-lo seria admitir na frente de seus súditos que não tinha inteligência e, consequentemente, capacidade necessária para ser rei. Os nobres em volta também soltaram falsos suspiros de admiração pelo trabalho do impostor, nenhum deles desejando ser visto pelos demais como incapaz ou indigno de sua nobre posição na corte real. 
O espertalhão garantiu que as roupas logo estariam completas, e o rei fixou data para uma grande parada na cidade quando ele exibiria a todos os seus súditos as vestes reais, uma vez que ostentar tal luxo era, no seu entender, a maior comprovação de toda a sua glória e poder.
 No grande dia do desfile real pela principal rua do reino a multidão se aglomerava às margens do trajeto por onde passaria o séquito real, esticando seus pescoços para vê-lo do melhor ângulo, e mesmo tendo a visão do soberano desfilando nu diante de seus olhos, todos se entreolhavam demonstrando grande admiração e exclamavam em alto e bom som:
– Oh! Que magnífica indumentária! Veja os ricos detalhes do manto real! Que roupa exuberante! No meio deles, bem na frente da linha dos adultos por conta de sua estatura, havia uma criança que, diante da nudez real, entre espantada e divertida gritou em alto e bom som: – O rei está nu!!! 
Todos se olharam, compreendendo que aquela criança inocente e tão segura quanto ao que era percebido por todos não estava enganada. E de imediato seu grito de estupefação foi assumido por todos: “O rei está nu! O rei está nu!”
 O vaidoso soberano se encolhe, já certo de que a afirmação se mostrava verdadeira, mas mantém-se olhando à frente, fingindo prosseguir orgulhosamente com sua falsa exibição. Mas agora, sabia ele, todos eram testemunhas perenes de sua vergonha irreversivelmente exposta ao reino.

                                                                                                                                                                                        Hans Christian Andersen



O rei está nu

Para a Folha de 30 de julho o Dr. Sergio Moro explica que se consideram no julgamento do processo penal as provas diretas e as indiretas, denominadas “indiciárias”. Sendo mais didático, exemplifica: “Uma testemunha que viu um homicídio é uma prova direta. Aquele que não viu o homicídio, mas viu alguém deixando o local do crime com uma arma fumegando, embora não tenha presenciado o fato contribui com uma prova indireta, pois viu algo do qual se infere que a pessoa é culpada”. Ainda que os advogados procurem desqualificar as provas com o objetivo de beneficiar o cliente, que os contrataram, a investigação é o único meio de reunir-se os elementos que não deixem dúvidas para que o juiz defina sua sentença. Tecnicamente seu trabalho não é julgar a pessoa do réu, mas deter-se sobre os elementos e basear-se neles para identificar os componentes mais fortes para um lado ou para o outro para proferir seu veredicto.

Como ainda afirmou ele, “políticos não têm interesse em combater a corrupção”, do mesmo modo que materialistas “convictos” não têm interesse em pesquisas sobre espiritualidade, por mais evidências que apresentem. Direito de cada um apoiado na premissa de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo, nem assumir algo que contrarie suas convicções, partindo-se da premissa de que se mostrem honestas. Isso não é o bastante, porém, para desqualificar-se provas já obtidas como decorrência de pesquisa ou investigação criteriosa e técnica. Negar uma inverdade imputada indevidamente não é o mesmo que negar uma verdade inequívoca e comprovada, assim como recusar-se a investiga-la apenas demonstra não haver interesse em dirimir-se a dúvida entre uma e outra.

De novo, tanto políticos corruptos quanto céticos convictos não se interessam por investigações ou pesquisas que desmontem suas teses, por mais que a negação à priori do processo não vá além do medo de uma deliberada e preventivamente verdade rejeitada, que tanto pode revelar interesse em que não seja conhecida, como uma postura nada inteligente de que uma caverna escura não abriga coisa alguma em seu interior simplesmente porque não pode ser vista! Substitui-se assim a tese comprovável da pesquisa pela hipótese de uma “verdade” induzida por motivações que jamais são trazidas à luz, contrariando a premissa hamletiana de que “há muito mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”.

Com isto pode-se concluir que a dúvida é o caminho mais honesto, sensato e lógico quando ainda não se detém provas contrárias nem a favor, antes de partir-se para a negação categórica de qualquer de suas possibilidades. Deixa ainda claras evidências de inteligência ou de propósitos honestos, já que impedir-se a investigação que conduz à verdade e afasta a dúvida é cair numa das duas vertentes que podem motivar a escolha feita à dedo, ou seja, a comprovação da verdade que já se decidiram a rejeitar.

A votação a que assistiremos na Câmara nesta semana – e que se estende igualmente às suscetibilidades feridas de todos os que se veem como “inatingíveis” e acima dos ditames da lei – deixa à mostra algo muito mais preocupante do que a mera convicção pessoal dos votantes sobre a inocência de um acusado: vai demonstrar de forma inequívoca o pensamento de pessoas que, colocando interesses próprios à frente do que deseja a maioria, se recusam a declarar que o rei está nu, numa clara e incontestável oposição à verdade dos fatos!

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