terça-feira, 25 de outubro de 2022

Coveiros do próprio túmulo - A herança maldita









Análise: Vender o almoço de amanhã para comer hoje

Medidas para colocar dinheiro no bolso dos mais vulneráveis vão  deixar milhões de endividados

Por Laura Naime, g1    


Violência, saúde, religião, tudo isso influencia uma eleição. Mas o que pesa, mesmo, é a economia – como bem sabia há 30 anos a campanha de Bill Clinton à presidência dos Estados Unidos, que cunhou a frase “é a economia, estúpido”.
 
E, por economia, entenda-se basicamente dinheiro: o que entra no bolso da população em forma de salários e benefícios, e o que sai na hora de pagar por produtos e serviços. O governo sabe disso.
 
Em junho, uma lei limitou a tributação dos estados sobre os combustíveis para forçar a queda dos preços nas bombas. Em agosto, o Auxílio Brasil passou a R$ 600, o auxílio gás dobrou de valor, e taxistas e caminhoneiros foram contemplados com auxílios específicos. Em setembro, foi a vez do crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil. Este mês, a liberação para compra da casa própria com ‘FGTS futuro’.
 
São mais reais no bolso dos mais vulneráveis e de trabalhadores – e contas menos salgadas nos postos. Mas quando a economia do país (o tal do PIB) não cresce, vale para o dinheiro a máxima “nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. O dinheiro de hoje é a dívida de amanhã. Aliás, dívidas: vai dever o governo, vai dever a população.
 
Só este ano, a estimativa é que o governo gaste mais de R$ 40 bilhões com o valor extra do Auxílio Brasil, o aumento do vale gás e as ajudas para taxistas e caminhoneiros. Com o corte do ICMS, as perdas para os cofres dos estados podem chegar a R$ 150 bilhões. Dinheiro que terá que ser cortado de outros gastos, ou virar dívida para os próximos anos. 

No caso do governo, a bomba vai estourar nos cofres públicos – e pode virar problema para o reajuste de servidores, do salário-mínimo, de benefícios do INSS e nos serviços de infraestrutura, saúde, educação. 

Mas algumas das medidas dos últimos meses terão impacto direto – e rápido – nas contas dos mais pobres. Na última medida aprovada, o governo autorizou que trabalhadores usem dinheiro que ainda nem têm no FGTS para pagar prestações de casas populares do programa Casa Verde e Amarela. 

Na prática, ela institui uma espécie de consignado do FGTS: em vez de ir para conta do trabalhador, o dinheiro depositado pelo empregador vai para pagar as prestações. Se perder o emprego, o mutuário pode ter que arcar com parcelas maiores, e corre o risco de perder também o imóvel. 

A medida que gera preocupação, no entanto, é o crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil. Isso porque o crédito, em geral, deveria ser usado para investimento ou para um momento de dificuldade – mas, para muitos brasileiros mais pobres, a hora de dificuldade é agora, é a fome de hoje.
 
Só na Caixa, cerca de 20 milhões de pedidos pelo consignado foram feitos até a semana passada. São 20 milhões de brasileiros que dependem do Auxílio Brasil e que terão descontados até 40% do valor do benefício ao longo de vários meses.
 
Na fila de uma agência do banco na semana passada, a reportagem do g1 encontrou interessados no dinheiro que sequer sabiam que os valores seriam descontados do benefícioÉ gente que está vendendo o almoço de amanhã para comer hoje – muitos, sem sequer saber disso. É uma legião de pessoas vulneráveis que, depois do alívio momentâneo, podem ter meses ainda mais difíceis pela frente.
 
Ou, nas palavras duras de dona Joana Francisca: “Fazer o quê, né? Tem jeito? Se eles descontarem esse dinheiro da gente, aí mesmo que ninguém sai da miséria. A gente pega o dinheiro agora e depois vê como faz para pagar, né?”.

 

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