quarta-feira, 24 de agosto de 2022

GOLPISMO vs. ESTADO DE DIREITO

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Quarta-feira, 24 de agosto de 2022
Contragolpe | O revés dos golpistas


É hora do autoritarismo prestar contas.

Hoje, às 19h30, me junto ao jornalista e escritor Xico Sá para a estreia do Contragolpe, novo programa Intercept que irá ao ar todas as quartas-feiras. Nos acompanhe ao vivo no YouTube.

Os empresários bolsonaristas que defenderam um golpe de estado, caso o ex-presidente Lula vença a eleição, encararam nesta terça, dia 23, o constrangimento de atender a Polícia Federal na porta de casa nas primeiras horas da manhã. 

A história revelada pelo portal Metrópoles, que teve acesso a mensagens de um grupo de WhatsApp com integrantes como Luciano Hang, da rede de varejo Havan, e Marco Aurélio Raymundo, o Morongo, da marca de roupas de surf Mormaii, chegou ao Supremo Tribunal Federal. Oito deles foram alvo de mandados de busca e apreensão e terão de prestar depoimento à PF. 

Sim, são mensagens privadas. Mas de potencial tóxico num país que vive uma linha tênue entre os arroubos golpistas de uma elite tosca que rodeia o presidente da República e o anseio por aprimorar a imperfeita democracia que nos rege. São esses empresários que legitimam as estratégias de Bolsonaro, encorajado a fazer discursos que degradam as instituições. Mesmo que minta e se desminta na sequência, como aconteceu na segunda-feira, durante a entrevista ao Jornal Nacional. 

William Bonner perguntou a Bolsonaro por que ele xingava ministros do Supremo. “Isso é fake news”, respondeu o presidente já nos primeiros minutos da entrevista. Foi desmentido ao vivo para milhões de pessoas quando Bonner o lembrou que ele chamou o ministro Alexandre de Moraes de “canalha”. Outras mentiras da entrevista foram desfeitas por pesquisas no Google, que tiveram um pico. O presidente disse, por exemplo, que nunca havia imitado alguém com covid durante a pandemia. As buscas por “Bolsonaro imita covid” explodiram. 

Para os empresários do WhatsApp, não há nada demais em faltar com a verdade para se ganhar a eleição. “Se não precisar mentiras… ótimo!!!! Mas se precisar para vencer a guerra é aceitável. Muito pior é perder a guerra!!!!”, escreveu Morongo, dizendo que a mídia e os políticos em geral são mentirosos profissionais. 

Morongo só gosta da mídia que fala bem da sua empresa. Aquela que deu visibilidade a sua história de empreendedor self-made, afeito a um estilo de vida despojado, em busca do equilíbrio espiritual e material. Mas descobriu-se agora que Morongo tem um outro lado, o golpista, afeito a estratégias impróprias. 

Luciano Hang, da Havan, é outro que tem uma relação visceral com os ideais do presidente. Desde a campanha de 2018 que ele emprestava seu apoio – e recursos – para elegê-lo. Ainda que ultrapassasse alguns limites legais para fazê-lo, como em agosto daquele ano, quando pagou para impulsionar uma live no Facebook em que defendia a eleição do então candidato Jair Bolsonaro. Pela lei eleitoral, só os candidatos podiam fazer isso. Hang não se importou. Valia a guerra contra o opositor esquerdista. Os demais empresários do grupo do WhatsApp, como Meyer Nigri, da Tecnisa, partilham da mesma ojeriza ao PT.

Agora, de cara com o STF, estão vendo seus ideais autoritários igualados aos crimes de outros empresários que tiveram de prestar contas à justiça. Talvez não tenham de amargar uma prisão, como Marcelo Odebrecht, que tinha o seu departamento de relações estruturadas para contabilizar as propinas a políticos. Mas não vão mais ser vistos como meros adeptos da "liberdade de expressão". Não, são perigosos, cometem crimes. O editorial do Estadão desta segunda, dia 22, já dava o alerta: “atentar contra a democracia é crime”, como previsto na lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, aprovada pelo Congresso no ano passado.

Até o ministro Dias Toffoli, do STF, passou um pito nos empresários, chamando-os de “suicidas” por fazer tal defesa. “Não há dúvida nenhuma que os Estados Unidos, a Europa, os países democráticos vão retaliar o Brasil economicamente [em caso de golpe]”, disse o ministro. Curiosamente, o mesmo Toffoli tratava, em outubro de 2018, a ditadura militar como um “movimento de 1964”. 

Aos poucos, o país parece sair de uma posição acovardada de relativizar grupos que legitimaram os desvios de caráter do poder central. Antes tarde do que nunca. Os alertas de um 7 de setembro golpista, como o de 2021, e o temor de uma nova invasão de Capitólio no Brasil começam a ter o seu revés. A vergonha tem de ser dos golpistas, não nossa.