quarta-feira, 29 de março de 2023

O Fascismo matou Tia Bete

 

Depois da segunda-feira tenebrosa na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, não tive como fugir. O macabro episódio teve eco nas pessoas que, como eu, entendem os professores como o símbolo de dignidade de uma nação. Se um aluno mata o mestre por um prazer macabro, é porque estamos sem norte. 

Há uma dor profunda, um gosto amargo de fracasso diante desse quadro. Nenhuma morte é aceitável quando poderia ser evitada, e o impacto do assassinato da professora Elisabete Tenreiro, a tia Bete, morta a facadas por um estudante menor de idade, derruba a gente. São muitas camadas aqui. Da a violência urbana à falta de segurança, passando pela perda de nossos adolescentes para o exercício de se sentir importante assassinando alguém.

A extrema direita está entre nós e já falávamos nos tempos de eleição que não bastaria eleger Lula. O fascismo está aqui, com deputados, senadores e governadores escroques, muitos com professores como alvos de julgamento, menosprezando o seu papel. Foram eleitos pela população que não compreende a correlação entre seu voto e o fomento do ódio social. São os primeiros a sugerir o clichê da redução da maioridade penal e, se pudessem, implantariam a pena de morte. 

Esse jogo de violência gratuita coopta cada vez mais jovens, numa atroz competição. Marca-se a data para eliminar alguém e ser ovacionado virtualmente. O alerta vem sendo dado por profissionais da educação há algum tempo, como mostrou esse relatório. O documento, elaborado por pesquisadores da área e entregue em dezembro ao governo de transição, revela que, desde o início dos anos 2000, já houve 16 ataques em escolas, dos quais quatro aconteceram no segundo semestre do ano passado. Todos com armas trazidas de casa.

A sensação é de enxugar gelo. Estamos tendo uma conversa parecida com a que houve em setembro, depois dos ataques a duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo. Foram quatro mortes causadas por cegos aprendizes da cultura assassina dos Estados Unidos, que soma incontáveis crimes escolares – o último em Nashville, poucas horas depois de a professora Elisabete Tenreiro ser assassinada, quando uma mulher com uma arma e dois rifles entrou na Covenant School e matou três crianças e três funcionários. Segundo o New York Times, é o 13° ataque a escolas neste ano, e ainda estamos entrando em abril.

No Brasil, os episódios começam a se tornar recorrentes, e o alarme está tocando desesperadamente. Não é só uma professora que morre, é também a nossa sensibilidade para enxergar crianças e jovens que se sentem inadequados e sem perspectivas, esponjas da nossa incapacidade de respeitar diferenças e de alcançar a dor de crescimento num país tão desigual. 

Crescer dói, e essa dor só faz sentido se acontecer para o parto do novo, como me disse o sábio jornalista Juan Arias do alto de seus 90 anos. Para nascer um país menos desumano. Não cuidamos dos velhos, não estamos cuidando das crianças, valorizamos bezerros de ouro que berram para impor autoridade. 

É tempo de coragem para acolher novas perspectivas. Para sair da era do conhecimento, da era do consumo, para a era do afeto. Só vamos crescer de verdade com ela, que por ora é só uma semente e precisa germinar. Os protestos de 2013 tinham a valorização da educação e dos professores como um dos poucos consensos. Passada uma década, ela precisa acontecer de fato.