segunda-feira, 28 de novembro de 2022

O universo paralelo dos que se recusam a viver no mundo real

 




Segunda-feira, 28 de novembro de 2022 
Exército confunde golpistas em São Paulo

Mutirão para moradores de rua frustra bolsonaristas crentes de que as Forças Armadas estão completamente alinhadas ao golpismo.

Uma fila quilométrica circundava a Praça da Sé na última quarta-feira, dia 23, no centro de São Paulo. Estava perto da hora do almoço e a notícia da marmita grátis corria rápido pela área. Era só chegar naquelas barracas, rodeadas por policiais, militares do Exército e voluntários uniformizados ajudando quem se apresentasse para entrar num cercadinho. Passando a barreira de metal, recebiam um vale-quentinha e ali se davam conta de que podiam ser atendidos nas dezenas de postos de atendimento do Mutirão Pop Rua, que reuniu mais de 40 instituições para ajudar uma população invisível a recuperar um pouco da sua existência. 

A maioria fazia fila para tirar o RG e fazer o cadastro para os benefícios sociais do governo. Outros aproveitavam para solicitar sua certidão de reservista. Homens e mulheres trans foram mudar seu nome social na documentação. Alguns exibiam felizes o esparadrapo no braço depois de tomar vacina, ou o cabelo recém-cortado. “Vou poder visitar a minha mãe!”, dizia, exultante, Donivaldo de Souza Tavares, de 45 anos, que mora num albergue da prefeitura, com comprovantes da sua documentação renovada em mãos. Dali, poderia se inscrever num programa municipal de emprego e garantir uma renda para comprar roupas novas e uma passagem para Leme, no interior paulista, onde mora sua mãe. 

Quem diria que manifestantes golpistas, que se instalaram em frente aos quartéis do Brasil para contestar o resultado da eleição, dariam holofotes a esse mutirão. Foi com uma profusão de vídeos de influenciadores de extrema direita alardeando que a Praça da Sé, marco zero de São Paulo, estava sendo tomada pelo Exército no domingo, dia 20, que a cidade tomou conhecimento da operação da qual o Exército fazia parte. 

Soldados fardados num dos principais cartões da cidade renderam as mais variadas especulações sob a hashtag #PraçadaSé em redes bolsonaristas. A crença geral é de que finalmente o golpe de estado ia começar ali, pelo centro de São Paulo. 

Sim, militares estavam erguendo barracas em frente à Catedral da Sé no dia da Consciência Negra. E os golpistas obcecados pela tomada de poder a qualquer custo estavam convencidos de que suas preces haviam sido atendidas. Segundo eles, aquela movimentação era um treinamento do Exército, e o alarme falso se espalhou nos grupos antidemocráticos de WhatsApp e Telegram. 

Eis que a realidade bateu à porta dos extremistas naquele mesmo domingo, quando a juíza federal Marisa Claudia Gonçalves Cucio se aproximou de um blogueiro de verde e amarelo que filmava a movimentação da praça: “Você não quer me entrevistar?”, perguntou ela a Jakson Vilar, que falava da tal manobra militar a seus seguidores. 

Foi então que a juíza explicou ao blogueiro que a movimentação militar integrava o Mutirão Pop Rua, uma ação de três dias ao ar livre para ajudar as pessoas em situação de rua, invisíveis para milhões de “cidadãos de bem”, a regularizarem seus documentos e terem acesso a benefícios sociais garantidos pela Constituição. 

A ação é derivada da Política Nacional de Atenção a Pessoas em Situação de Rua, instituída em 8 de outubro de 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça, que prevê o respeito à dignidade da pessoa humana e o acesso aos direitos de cidadania e às políticas públicas para a população mais vulnerável. Outros mutirões do gênero começam a ser replicados em áreas rurais do Brasil. É assim que se fortalece a democracia num país onde a Constituição prevê que “todos são iguais perante a lei”. 

Mas naquele domingo, o mutirão fazia um contraste com os pleitos dos bolsonaristas. Os manifestantes não sabiam que as Forças Armadas são parceiras constantes de ações de cidadania. Não, o Exército não é feito só de golpistas. 

Àquela altura, a ilusão coletiva de que um golpe militar era orquestrado na Praça da Sé obrigou os organizadores do Pop Rua a improvisarem uma operação de contrainformação: dois juízes da equipe organizadora ficaram até tarde da noite do domingo entrando em grupos de Telegram e passando o link com informações do evento real para evitar um choque de "visitantes". Em vez de receber os brasileiros do mundo paralelo bolsonarista, a ação de cidadania era para o Brasil real, para pessoas consideradas "párias" da sociedade por muitos desses "patriotas" desinformados.

Ao ver centenas de servidores voluntários do poder Judiciário orientando a população carente, dava até para dizer: as instituições no Brasil estão funcionando. Um dos voluntários me contou que um morador de rua havia descoberto naquele mutirão que tinha R$ 27 mil a receber do INSS. Jamais saberia se não tivesse a oportunidade de estar ali, ao ar livre, com outros como ele. “Eles não se sentem à vontade para entrar em prédios públicos para ver sua situação legal”, contou a magistrada Cucio, que não escondeu o entusiasmo com o projeto. “Não estamos inventando nenhum direito, estamos simplesmente dando acesso”, disse ela, que atua na 12ª Vara Cível Federal de São Paulo.

Enquanto a juíza e os mil voluntários do mutirão se movimentavam pela Praça da Sé na última quarta, os golpistas tiveram de encarar outra decepção: a coligação Pelo Bem do Brasil – formada por PL, Republicanos e PP –, que lançou a candidatura do presidente Jair Bolsonaro à reeleição, recebeu uma multa de R$ 22,9 milhões do Tribunal Superior Eleitoral por seu pedido esdrúxulo de questionar a idoneidade de quase 60% das urnas apenas na eleição de segundo turno. A malandragem visava manter os votos daquelas mesmas urnas questionadas no primeiro turno e sugeria que as do segundo turno não seriam confiáveis. Justamente os que deram vitória a Luiz Inácio Lula da Silva. 

A tropa ficou desnorteada, ao mesmo tempo em que alguns atos em frente aos quartéis começaram a fraquejar. “Patriotas… nosso movimento está fraquíssimo hoje… desistir não é opção”, cobrava um militante do Rio num grupo de WhatsApp na última segunda-feira.  

O ensaio para a  "invasão do Capitólio brasileira" parece ameaçado. Até a imprensa passou a chamar os manifestantes pelo que eles de fato são: golpistas. Para sair do cativeiro montado pela extrema direita autoritária, é preciso ter coragem de recorrer ao óbvio, como se viu na Praça da Sé: mais democracia. “A política anda conforme a sociedade se movimenta”, filosofava Joel Oliveira, exibindo seus documentos novos e o esparadrapo no braço depois de se vacinar no Pop Rua. Repetia a frase que ouvira, segundo ele, do jornalista Ricardo Boechat, que faleceu em 2019. Agora, é seguir o jogo.
Carla Jimenez
Colunista

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

A política armamentista e sua ligação com a devastação na amazônia

 








Nas duas últimas semanas, cenas grotescas de manifestações de rejeição ao resultado das urnas tomaram as redes sociais. Muitas viraram memes. Seriam cômicas se não revelassem – em sua maioria – situações dramáticas beirando o caos tanto social quanto econômico, algumas delas trágicas. Um dos casos aconteceu há poucos dias quando os ditos “manifestantes” atacaram policiais rodoviários federais a pedradas e tiros, ferindo três agentes.  

Em que lugar isso aconteceu? Foi no sul do Pará, na BR-163, uma das principais estradas que cortam a Amazônia Legal. Alguns dados oficiais sobre o arsenal de armas em poder de civis revelam que em 2018 havia pouco mais de 100 mil pessoas registradas como caçadores, atiradores ou colecionadores de armas, os CACs. Esse número hoje é de mais de 670 mil pessoas. Já o efetivo da Polícia Militar na ativa no Brasil é bem menor: de 406 mil policiais. E o das Forças Armadas é de 360 mil militares (metade do número de CACs).  

Atualmente o número de armas registradas por CACs já ultrapassou 1 milhão. Até julho já eram 434.715 fuzis nas mãos de CACs. E quem são essas pessoas? Não sabemos. O Exército não divulga esses dados, e o controle sobre quem pode se registrar como CAC foi sendo flexibilizado progressivamente durante os quatro anos do governo Bolsonaro.  

O resultado é que, apenas nos últimos quatro anos, o Brasil se armou – tendo a posse de armamento aumentado em quase sete vezes em relação a 2018 – , e a sociedade sequer tem a dimensão do que isso representa como fator de risco. O Exército, instituição que deveria manter um controle preciso e eficiente desses dados, acabou cúmplice da política armamentista do governo Bolsonaro, onde nem as polícias têm acesso a um banco unificado sobre o número de armas circulantes no país. 

A preocupação atual era a de ter a exata dimensão do armamento de civis no país, até o Intercept começar a trazê-lo a público na última semana, ao levantar dados sobre os clubes de tiro abertos na Amazônia Legal nos últimos anos. Uma pesquisa lenta e cuidadosa a partir do levantamento de todos os CNPJ ativos e a data de abertura de cada um deles, informação que o Exército afirmou não possuir. O jornal descobriu que alguns clubes de tiro simplesmente não apareciam nos registros oficiais. A invisibilidade aumentava exponencialmente porque nem todos os endereços conseguem ser identificados no mapa, o que exigiu um trabalho de geo-referenciamento e contato direto com os responsáveis pelos estabelecimentos de tiro.

Dessa forma foi possível localiza-los no mapa um a um, e descobrir que a expansão desses clubes aconteceu principalmente no entorno do chamado “arco do desmatamento”, revelando uma ligação direta da expansão armamentista com a devastação da amazônia cometida por invasores de terras indígenas para efeito de garimpo, ocupação descontrolada pelo agronegócio, o comércio ilegal de madeira, uma progressiva criação de pastos e toda sorte de atividade ilegal envolvendo desmatamento e exploração descontrolada do solo. 

A região da Amazônia Legal levou 43 anos para criar 86 clubes de tiro entre 1974 e 2017, e apenas nos últimos 4 anos foram abertos 107 novos clubes, atingindo um total de 193 localizados na área desse importante bioma. Observada sua disposição no mapa pode-se ver áreas indígenas totalmente cercadas por eles, com grande parte dos clubes de tiro da região instalados entre as rodovias federais BR-158 e BR-163. Entre as duas vias, do norte do Mato Grosso ao sul do Pará, estão o Parque do Xingu e as terras indígenas Kayapó, Menkragnoti, entre outras, o que não deixa dúvidas  sobre a motivação para a escolha desses locais e a franca expansão dos CACs em área indígena. 

Esses e muitos outros dados estão sendo revelados na série “Amazônia Sitiada” que o Intercept começou a publicar na última semana. O trabalho de extrema importância para o monitoramento de atividades ilegais na floresta envolveu dezenas de profissionais entre repórteres, editores, checadores, designers, ilustradores, advogados, e outros componentes que extrapolam o mero contexto jornalístico, além de muita persistência pela equipe envolvida.  

A dificuldade para resgate do controle é descomunal, devido ao significativo desmonte dos órgãos de fiscalização levado a efeito  durante o governo Bolsonaro, tanto no âmbito das forças armadas quanto da Polícia Federal. Reféns do governo, essas forças passaram por expressiva perda de controle operacional, como também de informações sobre armas e quem as adquire. 

Não se pode, inclusive, isentar de responsabilidade o Exército, que não revelou qualquer empenho para gerenciar uma perda de controle em tais dimensões, como no que diz respeito aos registros de CACs e clubes de tiro, algo que pode descambar proximamente para consequências trágicas numa região onde populações indígenas e ribeirinhas há anos vêm convivendo com um cotidiano extremamente violento.

(Fonte: O Intercept Brasil)



terça-feira, 15 de novembro de 2022

Os desafios de um planeta que perde a corrida para seus habitantes

 













A Terra acaba de ultrapassar a marca dos 8 bilhões de habitantes. Abaixo temos o crescimento da população em bilhões, e o tempo que o planeta levou para atingi-lo:

1 bilhão   – 1804  (tempo requerido:  2,5 bilhões de anos);

2 bilhões – 1927 (tempo requerido:  123 anos);

3 bilhões – 1960 (tempo requerido:  33 anos);

4 bilhões – 1974 (tempo requerido:  14 anos);

5 bilhões – 1987 (tempo requerido:  13 anos);

6 bilhões – 1999 (tempo requerido:  12 anos);

7 bilhões – 2011 (tempo requerido:  12 anos);

8 bilhões – 2022 (tempo requerido:  11 anos);

 

Não deixa de ser preocupante pensar que pode haver mais um bilhão de pessoas a cada década demandando moradia, emprego, alimentação e todas as demais necessidades básicas pedindo suprimento por parte de seus governos.

 

A ONU já estima que chegaremos ao 9º bilhão em 15 anos, por volta de 2037, e que a população mundial atingirá seu auge na década de 2080 com cerca de 10,43 bilhões de indivíduos, mantendo-se nesse patamar até 2100, quando então começará a diminuir ao atingir um estágio conhecido como “corrida de ratos”. A expressão é uma referência a um padrão de vida auto-destrutivo ou inútil como a de um rato de laboratório tentando escapar por uma roda em movimento contínuo, ou correndo no interior de um labirinto. Popularizado a partir do livro “Pai Rico, Pai Pobre”, o termo passou a descrever um tipo de trabalho onde se dispende muito esforço de forma contínua com pouco ou nenhum retorno, além de falta absoluta de propósito. Que tipo de futuro nos espera, afinal? E o mais importante: o mundo está suficientemente preparado para vivê-lo?


A Corrupção de um governo depende só do critério usado na medição?

 







 

Ao contrário de grande parte dos bolsonaristas, a imensa maioria dos eleitores do PT não alimenta ilusões sobre Lula ser "o redentor da pátria", quase divino de tão impoluto e infalível, e "oponente do sistema" (aliás, será que isso é mesmo tão bom assim? Seria bom combater o sistema vigente em tudo, inclusive na Constituição, na democracia, nos direitos civis já conquistados e garantidos?). Então, os petistas e demais eleitores da chapa Lula/Alckmin não alimentam fantasias sobre a existência de um governo que nem sequer precisa ser fiscalizado e investigado rigorosa e rotineiramente, porque "não tem corrupção".

A maioria simplesmente considera que, no nível de desenvolvimento, moralidade, civilização e maturidade institucional em que o Brasil se encontra, é basicamente impossível fazer um governo em que a corrupção não aconteça em algum momento por agentes do grupo que ocupa o poder (se nem os países mais avançados como Reino Unido e Alemanha conseguiram eliminá-la!), então o foco deles está mais no respeito a limites entre o Executivo e os órgãos que contrabalançam o poder do executivo e controlam seus excessos e malfeitos, como Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas e Polícia Federal.

É uma postura, convenhamos, bem mais realista e, principalmente, factível do que a fantasia ingênua de que há um "governo sem corrupção", principalmente se alguns dos principais aliados dessa gestão envolvam nomes como Fernando Collor, Arthur Lira, Ciro Nogueira, Roberto Jefferson e Valdemar Costa Netto, e, acima de tudo, se a base governista for formada pelo PL (praticamente o núcleo do Mensação), PTB (pivô do Mensalão e envolvido no Petrolão) e PP (o principal investigado pela Lava Jato — pois é, não foi o PT).

Além disso, os eleitores de Lula – que não engolem todo dia doses cavalares de propaganda ideológica pró-governo – estão bem cientes de que, longe de haver uma melhora, o Brasil teve foi uma significativa piora nos rankings de percepção de corrupção e transparência governamental nos últimos anos, o que sugere que, muito mais do que "um governo que é intransigente com os corruptos", o que houve na Era Bolsonaro foi um governo pautado no ditado "longe dos olhos, longe do coração", em sua versão política "não existe corrupção para o povo se não há investigação nem punição". Simples assim.

Posição do Brasil no ranking global da corrupção da Transparência Internacional.


O governo Bolsonaro foi bem mais, digamos, competente em pelo menos uma coisa: na tarefa de enganar pessoas pela tática espertalhona de "legalizar o que é imoral" e "normalizar a corrupção", como se viu, de forma mais acachapante, no Orçamento Secreto, que cumpriu a função do Mensação com muito mais eficácia e envolvendo valores escandalosamente maiores, tudo com uma aparência de legalidade.

Então, acredito que o eleitor médio de Lula simplesmente pensa que, se não melhorar a situação da corrupção com a derrubada das  raposas colocadas para cuidar do galinheiro (em órgãos de fiscalização e controle), como PGR, PF, Abin, Ibama e Funai, ela vai continuar, na melhor das hipótese, igual — mas com a vantagem de que, provavelmente, o povo vai ter devolvido o seu direito de ficar revoltado com escândalos de corrupção e operações contra criminosos da politicagem, pois eles só acontecem onde a corrupção SISTÊMICA está sendo de fato coibida e posta contra a parede.

Quem não gosta dessas notícias indignantes nos telejornais e revistasdeveria, simplesmente, ir passar um tempo relaxando na Coreia do Norte, Arábia Saudita ou Turcomenistão. Garanto que por lá os órgãos de Estado e da imprensa não têm autonomia e estofo suficientes para fazer essas revelações bombásticas.

 



quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Stalin: O angustiante apagar das luzes de uma tirania

 


Em 1907  Joseph Stalin surpreendeu ao falar de seus sentimentos durante o funeral de sua esposa, algo bastante incomum, quando então declarou: 

"Esta criatura amoleceu meu coração de pedra. Agora ela está morta, e meus últimos sentimentos de afeto em relação à humanidade morreram com ela". 

E ele confirmou o vaticínio proferido naquele dia durante o longo e sangrento período de 46 anos em que esteve no comando da Rússia, quando 6 milhões de pessoas perderam a vida. 

Ao fim dessa era de tirania absoluta Stalin agonizava em sua cama devido a uma hemorragia cerebral causada pela aterosclerose, e sem nenhum profissional de saúde por perto para impedir o desfecho fatal: seu médico pessoal naquele momento era torturado numa prisão por haver sugerido que Stalin não estava bem e precisaria descansar. 

Quando os guardas de sua segurança chegaram ainda o encontraram vivo, ainda que inconsciente, e não souberam como lhe prestar socorro.  Cientes das rígidas normas cobradas por seu líder, não ousaram buscar ajuda por iniciativa própria de modo a preservar a própria pele, já que Stalin não aceitaria qualquer decisão que não partisse dele. 

O lider fascista, dessa forma, acabou vítima do próprio autoritarismo e de seu insano apego ao poder, prendendo o único homem que poderia salvar-lhe a vida apenas por querer fazer o trabalho que se esperaria de um médico cônscio de seu dever.

 



A Democracia brasileira precisará aprender a lidar com essa nova ameaça

 



Quarta-feira, 9 de novembro de 2022
Derrota de Bolsonaro rompe correia de transmissão do trumpismo | Intercept Brasil

Se milhões de brasileiros sentiram calafrios no último dia 30 de outubro até a confirmação do resultado da eleição presidencial, o frio também percorreu a espinha de milhões de pessoas fora daqui. Em especial, nas nações democráticas em pé de guerra com forças de extrema direita. Nossa eleição foi seguida minuto a minuto nos gabinetes dos principais líderes globais, que estavam prontos para reconhecer a vitória de Lula, caso ela ocorresse. O papel do Brasil no jogo geopolítico era estratégico e havia um Jair Bolsonaro nos calcanhares do planeta. 

Bolsonaro garantiu o reduto perfeito para a ultradireita num mundo traumatizado pelo furacão Donald Trump nos Estados Unidos. A estridência do presidente brasileiro manteve o barulho necessário para normalizar as causas conservadoras e reacionárias a partir de um país continental capaz de influir em outras nações. 

Sua derrota nas urnas, porém, derrubou a correia de transmissão que o Brasil representava na engrenagem da extrema direita mundial. As eleições parlamentares nos Estados Unidos, que começaram nesta semana, podem trazer de volta a figura de Trump, potencial candidato à sucessão de Biden em 2024. Mas o silêncio de Bolsonaro diminui, sensivelmente, o eco trumpista. 

Sob Jair Bolsonaro, a diplomacia brasileira tornou-se aliada das nações ultraconservadoras, que colocaram, por exemplo, direitos reprodutivos no limbo. O Brasil votou reiteradamente contra resoluções das Organizações das Nações Unidas que abordassem o direito ao aborto em casos extremos, assim como projetos de saúde sexual e reprodutiva que poderiam ajudar a banir práticas arcaicas, como a mutilação genital em países africanos. A cruzada conservadora, fermentada por Damares Alves, então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, tirou o Itamaraty de suas posições históricas em defesa de mais direitos para as mulheres. 

Com Lula na presidência, o Brasil deve retomar a tradição diplomática, alinhada ao consenso das nações mais desenvolvidas nesse campo. 

Embora questionada por eleitores radicais de Bolsonaro aqui, a vitória do petista foi saudada e legitimada, inclusive, por líderes ultraconservadores de outros países, como a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e a presidente da Hungria, Katalin Novák. Afinal de contas, sob Lula ou Bolsonaro, o Brasil detém investimentos de multinacionais que repassam seus lucros para os países de origem, independentemente da ideologia. 

A aliança de extrema direita global estava bem azeitada até agora para ceifar direitos das mulheres, mas a conexão pela democracia entrou em campo um dia após a vitória de Lula, com os recursos que o mundo capitalista gosta. Alemanha e Noruega, por exemplo, anunciaram a retomada do investimento do Fundo Amazônia, paralisado desde 2019. Os compromissos de Lula com a floresta também foram apontados como fator de interesse de novos investidores internacionais no Brasil. 

Enquanto isso, no intento de promover uma campanha de desconfiança sobre o processo eleitoral, o bolsonarismo recorre a alguns bufões estrangeiros que encampem suas teses. Do dia para a noite, o nome Fernando Cerimedo ganhou um espaço nos jornais brasileiros que jamais mereceu na Argentina, seu país de origem. Lá, é um nome sem relevância política, segundo fontes argentinas consultadas pela coluna – apesar de se apresentar como alguém que participou da campanha vitoriosa de Barack Obama em 2008 e 2012. Aqui no Brasil, onde a terra foi bem fertilizada para manipulações da extrema direita, o empresário virou alvo de atenções como o responsável pela live com acusações de fraude nas urnas eletrônicas, que seria comprovada, segundo ele, por um suposto dossiê apócrifo. 

A live de Cerimedo foi derrubada no YouTube pelo Tribunal Superior Eleitoral, pois reproduzia mentiras para milhares de pessoas vulneráveis a qualquer informação que reforçasse suas teses conspiracionistas. O argentino, que se encontrou com o deputado Eduardo Bolsonaro na véspera do segundo turno, é dono da empresa Numen Publicidad y Sondeos. 

Numa entrevista a um site local, Cerimedo contou abertamente trabalhar com trolls, que teriam sido, inclusive, utilizados na campanha de Bolsonaro em 2018, segundo ele. “Temos inteligência artificial e uma fazenda de trolls. Não dá para perceber que não é uma pessoa. Há contas [perfis] com 30 mil seguidores”, disse ele na conversa publicada três dias antes do segundo turno. De acordo com Cerimedo, o arsenal de trolls foi usado na campanha de 2018 para reverter a percepção negativa que havia de Bolsonaro entre a população LGBTQIA+. “Pelo WhatsApp, começamos a enviar milhares de mensagens de trolls dizendo: 'Eu sou gay. Bolsonaro pode ser um nazi, mas a economia está bem e vamos viver mais seguros'. A partir dessa influência, parte da comunidade gay o apoiou”, relatou.

Apesar de se gabar da sua atuação por Bolsonaro, Cerimedo sonha mesmo é com um movimento de extrema direita em seu país. Porém, não tem o prestígio nem mesmo de Javier Milei, um político comparado a Bolsonaro na Argentina. 

Eis a foto do bolsonarismo e da rede global dos ultraconservadores neste momento: a saída de Bolsonaro abala o movimento, mas ele está longe de sair de cena. A vitória dos republicanos nas eleições dos EUA esta semana, que podem alcançar a maioria na Câmara e no Senado, tem a chance de revigorar muitas batalhas reacionárias em breve. Um quadro que empurra os progressistas a dobrarem a aposta, aprendendo com os erros que fizeram o mundo estremecer até o dia 30. Se Bolsonaro vencesse a eleição naquele dia, a chance de fazer valer uma agenda mais inclusiva seria quase nula. Só que ele perdeu. É hora de avançar muitas casas nesse tabuleiro.

Carla Jimenez
Colunista


segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Ediel Ribeiro: O Capitólio de Jair Bolsonaro

 

O Capitólio de Jair Bolsonaro

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre o fim do governo do presidente e os protestos dos manifestantes

Por Ediel Ribeiro  -  6 de novembro de 2022

Quando o Secretário de Comunicação chegou no Palácio do Alvorada com o discurso do presidente embaixo do braço, Jair Bolsonaro ainda estava trancado no banheiro, chorando. 

– Presidente, o senhor precisa sair daí. A eleição já acabou. O senhor está trancado no banheiro há dois dias. Os brasileiros estão esperando o seu pronunciamento à Nação. O senhor ainda é o presidente do país. As ruas estão um caos. 

– O ex-presidiário já foi?

– Já. Pode sair. A eleição acabou. Seus amigos do Centrão estão todos aqui para apoiá-lo.

– Eu não vou fazer nenhum pronunciamento, taokey. Não vou reconhecer uma eleição manipulada e fraudulenta, taokey. Eu só perdi porque os nordestinos, analfabetos, não conseguiam ler ‘Bolsonaro’ na urna, então, votaram ‘Lula’ que é um nome mais fácil de ler.

– Enquanto o senhor chora a derrota, seus apoiadores estão bloqueando nossas principais rodovias, levando o caos e a desordem ao país. Os bloqueios já estão indo para o terceiro dia, com manifestantes prometendo manter as interdições por tempo indeterminado.

– As movimentações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser o da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônios e cerceamento do direito de ir e vir – disse o presidente.

– Presidente, já está havendo destruição de patrimônio, cerceamento do direito de ir e vir e prejuízo no abastecimento de alimentos e combustíveis. O senhor precisa ordenar explicitamente a desmobilização de bloqueios de rodovias, feitos por seus apoiadores que contestam, sem provas, o resultado das urnas e pedem um golpe.

– Isso daê já é outra cuestão, taokey.

– Já estou aqui com o seu discurso. Quer que eu leia para o senhor? É bem curto.

– Taokey.

– “Quero começar agradecendo primeiramente aos 58 milhões de brasileiros que votaram em mim no último dia 30 de outubro. Quero também parabenizar o candidato Luiz Inácio Lula da Silva pela vitória alcançada, democraticamente, nas últimas eleições. Dizer também que os atuais movimentos populares frutos de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral, ou não, devem ser dispersados imediatamente. As rodovias devem ser desbloqueadas e o direito de ir e vir da população respeitado…”

– Pode parar – cortou o presidente. – Nada disso daê. Zero! No tocante ao agradecimento ao gado, digo, aos eleitores que votaram em mim, tudo bem. Posso até agradecer, mas reconhecer a vitória do ex-presidiário, não. Não reconheço nem vou passar a faixa para ele. Se o Mourão, aquele traidor, quiser passar é problema dele. Só Deus tira essa faixa do meu peito…

– Ele já tirou – sussurrou o secretário, irônico. – Em grupos nas redes sociais, o seu silêncio foi interpretado como um apoio às mobilizações golpistas.

– Sempre joguei dentro das 4 linhas da Constituição. Nunca falei em controlar a mídia e as redes sociais mas não posso impedir o povo de transitar lépido e fagueiro pelas rodovias do país.

– O povo está decepcionado com o senhor.

– Vão sentir saudades da gente aqui – gemeu o presidente.

– Já estamos sentindo – disse Ciro Nogueira, líder do Centrão.

 

*Ediel Ribeiro é jornalista e escritor.

 

sábado, 5 de novembro de 2022

Quando o ato suicida se transforma em obrigação

 

Durante a 2ª. Guerra um general alemão ordenou que suas tropas tomassem uma importante posição estratégica em uma colina ocupada pelos russos. Os russos defenderam bravamente esta colina e parecia que o ataque alemão falharia completamente. 

Nesse momento, o general alemão que ordenou o ataque pegou um fuzil e começou a correr morro acima, independentemente do inimigo atirar nele. Seus soldados foram encorajados pela visão de seu general, começaram a segui-lo e a colina foi finalmente capturada pelos alemães. 



 








Otto Günsche, ajudante pessoal de Hitler

 

Ao saber do desempenho do general, seu comandante de divisão enviou um relatório ao quartel-general de Hitler indicando o general vitorioso para receber a comenda de Cavaleiro da Cruz de Ferro, uma das mais altas condecorações de guerra do exército alemão. Depois de três semanas de espera veio a resposta do ajudante pessoal de Hitler, Otto Günsche: 

"Pedido negado. O que o General fez não é nada de extraordinário. O Führer (Hitler) espera que todos os seus generais façam tais coisas.

 

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

A inspiração do governo de Deus, da pátria e da família









Deus, Pátria, Família

Por Jefferson Arce, professor, escritor e filósofo

O (quase) ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sempre assina os documentos oficiais com a expressão “Deus, Pátria, Família”, que é o lema da Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento inspirado no fascismo italiano fundado em 1932 por Plínio Salgado.

Os integralistas brasileiros usavam símbolos e rituais que os aproximavam de seus similares europeus, como o uso do verde na indumentária, a letra grega sigma no logotipo do movimento, e a saudação "anauê".

O caso recente mais assustador foi do ex-secretário de Cultura do governo Bolsonaro, Roberto Alvim, que em janeiro de 2020 copiou uma citação do ministro de propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, em um discurso de suas redes sociais para divulgar o Prêmio Nacional das Artes.

Em um de seus discursos na então Alemanha nazista, Goebbels afirmou:

A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada.

Na adaptação do ex-ministro Alvim a frase ficou assim:

A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Carta aberta a um ladrão - Normando Rodrigues

 

Carta aberta a um ladrão - Por Normando Rodrigues

"Você, Bolsonaro, ROUBOU. E ainda assim PERDEU"

Créditos: Reprodução
Escrito en OPINIÃO el 

BOLSONARO, VOCÊ É UM LADRÃO!
 
Preliminarmente peço perdão aos ladrões levados ao crime por um sistema econômico abissalmente injusto. Bolsonaro é ladrão no sentido pejorativo, vil, malévolo, que deve remanescer na palavra mesmo na mais igualitária das sociedades. 
 
E não trato, aqui, de quando Bolsonaro roubava bens do Exército, ou de três décadas de roubo de dinheiro público via rachadinhas, nem dos inúmeros roubos cometidos em seu pavoroso mandato presidencial, felizmente finado, de fato.
 
O foco, hoje, é a ELEIÇÃO. Você, Bolsonaro, ROUBOU. E ainda assim PERDEU.
 
Você despejou dezenas de bilhões de reais do orçamento da educação, da saúde e da assistência social, na mais obscena compra de votos que esse país já viu desde 1930. E ainda assim PERDEU.
 
Você arrastou na lama de sua pútrida alma a honra das forças armadas, para levantar suspeitas infundadas contra as urnas eletrônicas e o processo eleitoral. E ainda assim PERDEU.
 
Você emporcalhou com seus intestinos a todos os servidores militares, policiais federais, rodoviários federais, e policiais militares, muitos deles transformados em milicianos empenhados na tentativa de cercear o voto dos eleitores da oposição. E ainda assim PERDEU.
 
Você incitou milhares de maus empregadores à prática de crimes eleitorais, via coação de trabalhadores, tangidos como gado. E esses patrões fizeram isso entusiasticamente, numa escala nunca vista. E ainda assim PERDEU.
 
Em todos esses malfeitos, e em muitos outros, você contou com a servil cumplicidade de parlamentares e de mercenárias chefias civis e militares, preocupadas unicamente com a manutenção de seus ganhos, sobretudo acima do teto constitucional. E ainda assim PERDEU.
 
Inescapavelmente derrotado, você manipulou seus fiéis seguidores para a arruaça em vias públicas, no melhor estilo dos Camisas Negras italianos e SS alemães, com o único objetivo de negociar uma imunidade para seus inúmeros crimes contra a coisa pública, o meio ambiente e a humanidade. Jogou tudo na tentativa de alcançar imunidade para si e para o moralmente deformado quarteto que chama de filhos. E também nisso você PERDEU.
 
Mas os incidentes causados por seus alucinados apoiadores revelam algo mais. Revelam seu visceral desprezo pelas vidas de seus próprios seguidores, os quais, fascistas ou não, delirantes ou não, são seres humanos. E nem sequer nisso você é original.

Confrontados com a derrota final, Mussolini e Hitler manifestaram profunda indiferença pelo destino de seus respectivos correligionários. E você, que copiou Mussolini e Hitler no que de pior ofereceram à Itália e à Alemanha, segue o roteiro típico dos líderes fascistas destronados. E perde.