segunda-feira, 12 de junho de 2023

General Santos Cruz: "Os covardes nunca estão na linha de frente!"

 

É inadmissível não ser crime presidente sair fugido em pleno exercício do mandato

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De todas as instituições que Bolsonaro prejudicou e desgastou, a que mais sofreu, e vem sofrendo, é o Exército Brasileiro.

Entre erros e acertos, que acontecem em todos os governos, as áreas que Bolsonaro mais teve êxitos foram: conflito; desrespeito; extremismo; desgaste das instituições; e até do pessoal mais próximo, como o ajudante de ordens e alguns auxiliares diretos. Ele teve, também, muito sucesso como cabo eleitoral do seu opositor, sem tirar o mérito próprio do atual presidente.

No show de besteiras sempre foram embutidas fanfarronices como: meu Exército; discursos inoportunos de cunho político em cerimônias militares; inúteis e ridículas flexões de braço; entre outras. Sem contar o sequestro das cores e símbolos nacionais, camiseta da seleção brasileira, passeios de jet-ski e "motociatas", até a idiotice do "imbrochável".

A partir da derrota nas urnas foram estimulados os tais acampamentos em frente aos quartéis para pressionar o Exército a tomar uma decisão política descabida. Quando isso não ocorreu, iniciou-se um grande volume de críticas ofensivas e até criminosas ao Exército e a seus oficiais em função de comando. Opiniões positivas e negativas são absolutamente normais. Mas o que se viu e se vê, são críticas originadas por oportunismo e fanatismo político, frustrações pessoais, "heroísmo" de internet, falta de noção de disciplina, de respeito, e de limites do que é liberdade de opinião.

Alguns covardes e inconsequentes queriam que, depois de um processo eleitoral, dois turnos e um candidato eleito, o Exército impedisse o prosseguimento normal da vida nacional tomando uma decisão política absurda. Essa tentativa de transferência de responsabilidade é a mais profunda traição já sofrida pelo Exército. A milícia digital foi fundamental para esse processo criminoso de manipulação da opinião.

General Santos Cruz no Congo, em 2014
Divulgação

Depois de perder a eleição, por medo de assumir suas responsabilidades, Bolsonaro entrou numa omissão inaceitável, ficando cerca de dois meses em chilique político, vitimização, choradeira, com aparições grotescas, que a milícia digital tentava transformar em mensagens enigmáticas para os acampados em frente aos quartéis, em especial em Brasília, prometendo uma decisão fantástica iminente. E a gangue da internet fazendo o trabalho de mantê-los na posição.

Nenhum dos covardes e fanfarrões que atacavam e atacam atualmente o Exército teve coragem de ir até junto daquelas pessoas acampadas na frente dos quartéis. Os covardes nunca estão na linha de frente! Eles estão sempre escondidos nos seus gabinetes, nas suas imunidades, na internet, nos grupos de redes sociais, no anonimato etc. Eles empurram a massa de manobra para fazer besteiras. Os manipulados e os inocentes úteis que se acertem com a Justiça!

As autoridades de nível político com obrigação de fazer uma orientação clara e honesta aos acampados eram o presidente da República e o Ministério da Defesa, e não o comandante do Exército. Este é uma autoridade operacional, integrante da própria Força que, apesar de nomeados pelo presidente da República, não têm função política. O presidente se omitiu, deixou que alguns fanáticos e a milícia digital manipulassem a ideia de transferência de responsabilidade que era dele, presidente, para o Exército. O Ministério da Defesa não se manifestou e não defendeu o Exército. O comandante se manteve em atitude disciplinada e não quis se dirigir diretamente à população, ultrapassando o Ministério da Defesa e o presidente da República. O Exército não cedeu à pressão. O Exército engoliu essa barbaridade em nome da disciplina e da institucionalidade.

Decisão política é da responsabilidade do presidente da República e não do Exército. Mas o presidente ficou sorrateiramente em silêncio até fugir do país para passear por três meses nos Estados Unidos. É inadmissível que a legislação brasileira não considere crime um presidente sair fugido do país, em pleno exercício do mandato. Quando fugiu, Bolsonaro não teve nem a consideração e o respeito de se dirigir aos acampados e dizer-lhes que voltassem para suas casas, que a expectativa deles não iria se realizar, que não era uma decisão da competência do Exército... e que ele iria passear em Miami! Essa foi a apoteose da covardia! Mas a milícia digital arrumou logo as "justificativas" para a fuga covarde.

Atacar o Exército não é o caminho para a solução dos muitos e graves problemas nacionais. Isso é simplesmente oportunismo e covardia!

sábado, 3 de junho de 2023

O drama de um pescador e o destino de Boipeba

 



Sábado, 3 de junho de 2023
O dito progresso só trouxe ódio para Boipeba

Bronca de mãe retoma esperança na ilha dividida.

Fui buscar naquela lupinha das conversas do WhatsApp quando – e de que forma – se deu minha primeira interação com Raimundo Esmeraldino, o pescador e líder popular de Boipeba, mais conhecido como Raimundo Siri.

Foi uma abordagem simples e direta: me identifiquei como jornalista e pedi para conversar com ele. Isso aconteceu no dia 14 de março deste ano. Na ocasião, levantava informações para a reportagem que publicaria dias depois no Intercept sobre o complexo hoteleiro Ponta dos Castelhanos – aquele resort que pretende ocupar 20% da ilha de Boipeba, no litoral sul da Bahia. Esse empreendimento tem como sócios José Roberto Marinho, dono da Rede Globo, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, e outros quatro empresários endinheirados.

Desde então, forçados por uma sequência de fatos que se sucedem a todo momento na região, meu contato com Raimundo Siri foi se intensificando até se tornar constante. As obras do resort, autorizadas antes pelo governo da Bahia, foram embargadas. Houve uma audiência pública na Assembleia Legislativa do estado para tratar da questão, e o decisivo: Siri recebeu ameaças de morte, em vídeos, áudios e mensagens de texto – o que também noticiamos no Intercept

Nos vídeos, homens e mulheres dizem que vão "quebrar as pernas do Siri". Nos áudios, falam em jogar ele de "cima da ponte". As mensagens o desqualificam, chamando-o de "indigente" e "culpado de todas as desgraças que vem acontecendo". 

O curioso é que, embora Siri tenha meu contato direto e me mande atualizações regulares sobre Boipeba, não partiu dele a iniciativa de me informar sobre os ataques que vinha sofrendo. Quando o questionei o motivo, a resposta foi comovente: "não achei que isso era assunto do jornalismo". 

Raimundo Siri tem o desapego natural e a fé obstinada de outras lideranças que infelizmente perderam a vida na nobre defesa do meio ambiente. Lutar pela preservação ambiental e das comunidades tradicionais no Brasil é uma atividade de alto risco. 

Afinal, nosso país é o que mais matou líderes ambientais no mundo na última década, de acordo com dados da ONG Global Witness. Pelo período de pesquisa, o balanço ainda exclui assassinatos emblemáticos, como de Chico Mendes, em 1988, e Dorothy Stang, em 2005. Mas inclui as mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira, às vésperas de completar um ano.


No momento, Raimundo Siri está longe de Boipeba, lugar que nasceu e viveu por 60 anos. Isso é um sacrifício para ele não apenas pela relação afetiva com a ilha, mas também econômica: o pescador não tem renda fixa e nem aposentadoria, ou seja, tira do mar seu sustento para pagar as contas. 

O lado cruel nessa história é que as ameaças e ataques são de moradores da própria comunidade Cova da Onça, onde Siri vive e conhece todo mundo. Um lugar hoje marcado pelo ódio, rancor e violência. Conversei com integrantes do Conselho Pastoral dos Pescadores, a CPP, entidade ligada à Igreja Católica, e eles dizem que o empreendimento Ponta dos Castelhanos contratou entrepostos que têm feito um trabalho forte de convencimento e cooptação dos moradores. Segundo os relatos, eles estariam prometendo com o resort mudança de vida, geração de emprego e circulação de dinheiro em Boipeba.

Um dos áudios que tive acesso é bem sintomático desse sentimento dominante hoje na ilha. Nele, um morador dizia "não quero que meu filho seja pescador que nem eu (...) Quero que ele tenha vida e oportunidade". E depois atribuiu a Siri o embargo da obra – o que, dessa forma, impediria a realização desse sonho. 

Nesse caso, há uma responsabilização indireta do empreendimento sobre a produção alegórica de futuro numa população humilde. Marinho, Fraga e os outros empresários não ameaçaram Siri, mas mexeram com um imaginário de progresso que não dialoga com a sustentabilidade e a preservação de comunidades tradicionais. 

O fato de Siri se opor a isso o torna um inimigo número 1 justamente das pessoas que ele tenta proteger.

O jornalismo que o Intercept acredita denuncia exatamente essa ação de poderosos e suas forças descomunais tanto no plano material (destruição, silenciamento e devastação), quanto simbólico (mexendo com sonhos, desejos, expectativas e frustrações). 

Uma grande vitória da reportagem que publicamos foi ouvir a voz de Siri narrar um pedido de desculpas vindo de uma mãe de um dos homens que o ameaçou. "Ela me ligou e disse que ficou horrorizada quando soube que o filho dela gravou áudio me atacando. Disse que brigou com ele e que ele nunca mais vai repetir isso. Quando tudo se acalmar, eu vou lá pessoalmente conversar com esse rapaz. O ódio tá muito grande em Cova da Onça, mas temos que lembrar sempre que lá todo mundo é irmão", disse ele.

Pode parecer ingênuo pensar assim, mas a preocupação e bronca dessa mãe é um respiro de esperança familiar e comunitária num lugar atualmente dilacerado por ódio e violência.

André Uzêda
Editor sênior do Intercept Brasil