domingo, 17 de novembro de 2024

Artigo - O Coringa e o “novo normal”: Um paralelo para refletir


O Coringa, personagem dos filmes do Batman, é retratado como um vilão caótico, anárquico e com traços inegáveis de psicopatia, que a psicologia apontaria como de características complexas por conta de uma mente de difícil compreensão. 

O perfil psicológico do personagem possui caracteristicas com as quais os brasileiros começaram a se familiarizar, a partir dos rumos políticos que a direita foi introduzindo no país a partir de 2016, como a naturalização do caos e da anarquia, tornando-os parte integrante do nosso cotidiano. Se o personagem da ficção coloca o dia a dia como algo estruturalmente caótico convivendo com regras sociais ilusórias, a nova direita igualmente busca desestabilizar a ordem estabelecida, mostrando que qualquer pessoa pode sucumbir à loucura, se preparada psicologicamente para isso. 

Como é fácil perceber no personagem, o Coringa é um mestre na arte de manipular pessoas, utilizando o medo e a incerteza para seu controle de forma a criar artificialmente situações de crise. O objetivo é romper com os limites da moralidade humana através do medo de uma ameaça, especialmente criada para movimentar a massa em torno de seus objetivos de poder. 

O Coringa ficcional tem um senso inflado de autoimportância, o que serve para justificar-lhe a crença de que suas ações são justas, por mais violentas que se mostrem. Ele se vê como “agente de mudança”, buscando emprestar aos seus atos um cunho de “altruismo”, por mais que suas motivações se revelem absolutamente egoístas e movidas apenas por sede de domínio e manutenção do poder. 

Na vida real o narcisismo envolvendo seus líderes é impactante, já que precisam dessa imagem de força para trazer cada vez mais pessoas para sua causa. Daí precisarem de um permanente “estado de guerra” para lhes dar sustentação, mesmo enquanto vivenciam internamente um sentimento de ameaça em relação aos que os rodeiam. Não confiar em ninguém, portanto, é parte inalterável desse contexto como estratégia de sobrevivência. Funciona como os arcos de uma pedra atirada a um lago, mas no qual os círculos, em vez de se formarem a partir do centro, se movimentam de fora para dentro. 

A metáfora serve para ilustrar a paranóia que se abate sobre o líder, já que ao mesmo tempo em que precisa da sustentação de seu poder pelo maior número possível de pessoas, diante da ameaça por seus atos espúrios os círculos da desconfiança vão se fechando em torno dele:  começa reduzindo o universo de sua proteção ao círculo dos conhecidos, em seguida aos mais leais, depois à família, até que o medo o ataca a tal ponto que não hesitará em sacrificar até mesmo o seu núcleo familiar para salvar a própria pele. Daí a percepção clara pelo observador externo de que o amigo de hoje está sempre fadado a acabar como o inimigo de amanhã. 

O Coringa, como sabido, demonstra falta de empatia e remorso, tratando os outros como peças de um jogo. Sua capacidade de causar dor sem culpa é uma característica central da personalidade do sinistro personagem. E aí entra a simbologia do “sorriso eterno”, o prazer indelével mostrado na face diante do sofrimento alheio, próprio de mentes profundamente mergulhadas na psicopatia. 

É conhecido que o Coringa utiliza o humor como uma forma de desumanizar suas vítimas e lidar com a dor e o sofrimento, transformando a tragédia em uma piada. Um traço marcante de sua personalidade, portanto, é o humor negro, como que para neutralizar a tragédia humana para si mesmo, eliminando dessa forma eventuais cobranças pela própria consciência. 

O pensamento político que vimos observando na extrema-direita, nesses últimos anos de sua ascensão, poderia facilmente ser comparado ao perfil psicológico do Coringa em inúmeros aspectos. Pratica-se ali uma busca perene pela desestabilização do ordenamento formalmente constituido – suas normas sociais e políticas – em nome de uma visão de mundo que desafia as “estruturas tradicionais”, segundo o discurso adotado de “outsider” em relação a um passado histórico. E isso não exclui todo tipo de táticas provocativas para gerar caos e confusão. 

Como já concluimos após análise dessa direita no antes, durante e depois do poder, ela se revela extremamente eficiente em manipular informações e criar narrativas que exploram o medo e a insegurança. E nesse contexto se aproxima tão gritantemente da forma como o Coringa manipula as emoções das pessoas em prol de seus objetivos, que se poderia tranquilamente suspeitar de que o treinamento tático de sua militância inclui a exibição obrigatória de todos os filmes do Batman, onde o Coringa exercita sua capacidade multifacetada de manipulação. 

Líderes da extrema-direita mundial se posicionam invariavelmente como salvadores da sociedade, na qual prometem restaurar uma suposta ordem "perdida". Essa megalomania persistente em nada se diferencia do modo como o Coringa se vê enquanto “agente de mudança”. Tal mudança, no entanto, não se estende àquela fatia da população – certamente a maior parte – que eles veem como os verdadeiros causadores desse tão alardeado “estado de caos” que pretendem corrigir. Daí o combate sistemático e a desumanização de quantos integrem grupos minoritários ou de opositores, tratando-os como “inimigos a serem exterminados”. 

Aqui não se precisa lembrar que essa absoluta ausência de empatia ressoa com a sociopatia emprestada à personalidade do Coringa, não deixando de lado a retórica temperada com humor negro e sarcasmo usada para deslegitimar adversários e normalizar comportamentos agressivos que lhes sejam desfavoráveis. 

Enquanto o Coringa é a figura fictícia que representa o caos e a anarquia, naquela forma pedagógica que a arte utiliza para evidenciar possibilidades assustadoras, a extrema-direita os concretiza na vida real.  Ela escancara, na identificação com o personagem, uma visão de mundo que desafia todas as normas estabelecidas, diferindo ou não em motivações e consequências os meios de que lançam mão.  Tal realidade nos coloca em permanente estado de prontidão, cobrando vigilância em relação à dinâmica social e à política extemporânea destes novos tempos, de modo a que a análise desses paralelos possam oferecer uma compreensão mais profunda do futuro que nos aguarda, se nada se fizer – e bem rápido – a esse respeito.

 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Política - ABERTA A TEMPORADA DE 'ARTES CÊNICAS'



Com a aproximação das eleições, e da substituição da propaganda partidária pela eleitoral nos meios de comunicação, estará aberta a “temporada de artes cênicas” – com direito a muita pirotecnia – que ocorre quando os candidatos botam o bloco na rua para brigar pelos nossos votos. Não custa lembrar algumas regras básicas para você se proteger (bem como a todos nós, que seremos atingidos pelas escolhas erradas) e ficar de olhos bem abertos para podermos avançar mais rapidamente nas melhorias que há tempos se fazem urgentes no país. Então tente controlar sua resistência a textos um pouco mais longos, e atente para algumas regras básicas expostas a seguir, de modo a reduzir os riscos de uma má escolha. Elas podem evitar muito sofrimento pra você e para os que lhe são caros nos próximos quatro anos, ou talvez para muito além disso. 

 

1 – NÃO ACREDITE EM TUDO O QUE OUVE OU VÊ

Políticos bem ou mal intencionados não aparecem na TV com selo do Inmetro na testa. A diferenciação ocorre pelo que conseguem que você acredite e ajude-os a defender. Isso não depende apenas do poder de convencimento que demonstram, mas também dos canais de comunicação de que fazem uso para suas campanhas. Muitas delas – inclusive as empresas que as sustentam – estão fortemente interessadas que seus candidatos cheguem ao poder para ganhar dinheiro com as benesses prometidas por eles, caso o consigam. Assim, não utilize como parâmetro o “show de pirotecnia” que alguns desses meios de informação fazem uso para fazer você acreditar que o candidato é sério. O poder da mídia é muito mais forte do que imagina – suficiente para eleger ou destruir um candidato – daí que a credibilidade da fonte, através da análise de todo o seu histórico e influência de massas, é fundamental para nortear sua escolha. Muita atenção na checagem de dados junto a outras fontes, e toda atenção às contradições entre discursos atuais e passados, entre diferentes meios de comunicação ou direcionados para diferentes públicos.

 

2 – OS “COMPANHEIROS” DE AGORA NÃO UNIRAM FORÇAS PARA MELHORAR SUA VIDA

Em países como o nosso, cuja população aumenta em ritmo muito maior do que a educação levada às pessoas, é muito fácil convencer a maioria desinformada a votar por qualquer cesta básica oferecida, já que a esmagadora maioria não tem sequer o suficiente para não passar dificuldades. O raciocínio é simples: o governo toma muito e oferece quase nada em troca, estimulando a lógica da “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Os políticos sabem muito bem disso, e que o investimento feito em você é desprezível perto do que você lhes pode proporcionar a ponto de torna-los ricos num único mandato, como muitos já demonstraram. A política nacional é tradicionalmente marcada por uma fisiologia histórica, alimentada por altos interesses na formação de um curral político que dê sustentação aos seus desmandos em troca de apoio parlamentar pós-eleição. Tudo isso aliado à baixa civilidade do cidadão, ou seja, à mentalidade instalada na maioria do “cada um por si e Deus por todos”, que não se preocupa com o coletivo, o cenário está formado para um garantido e longo período de manipulações. Atenção então para partidos que se atacavam mutuamente e de repente se unem na véspera das eleições, bem como políticos que antes eram “adversários ferrenhos” dos que estavam antes no poder, e agora se abraçam e se desmancham em elogios mútuos como se fossem amigos inseparáveis desde criancinha. Eles estão de olho no bolso deles, e não no seu bem-estar.

 

3 – OS “INIMIGOS” DE HOJE SÃO OS MESMOS QUE SE ABRAÇAVAM ENTRE DUAS ELEIÇÕES

Não acredite no “despertar para a realidade” de antigos aliados que, de uma hora para outra, se tornaram inimigos e passam a detonar os antigos “companheiros inseparáveis”. Políticos honestos colocam foco em suas propostas, não em “limpar o caminho” afastando a concorrência que o ameaça... Portanto, fique de olho! Muitas das vezes isso não passa de uma estratégia de seus assessores para que as lambanças dos parceiros que se deixaram apanhar não respinguem nos seus amigos de cruz e espada. O afastamento, nesses casos, só acontece nos palanques, mas fora dos holofotes eles trocam idéias sobre o que pode ser dito para dar credibilidade ao clima de animosidade e discordância de ideais sem comprometer um ao outro para as próximas eleições, em que “trocar dedinho-de-bem” pode ser muito mais vantajoso que aparentar conflito de ideologias. É claro que com isso eles também contam com a conhecida – e comprovada – falta de memória política da população.

 

4 – AS ALIANÇAS POLÍTICAS PRECISAM DE NÚMEROS, NÃO NECESSARIAMENTE DE IDEOLOGIAS

Uma prática que se tornou rotineira na política nacional, independente de partidos, candidatos ou propostas de governo, é a associação de partidos que ocorre em alguns locais e noutros não. Algumas chegam ao absurdo de reunir nos palanques de uma mesma eleição pessoas que antes defendiam idéias diametralmente opostas, dependendo das tendências locais para aumentar votos através das alianças. Elas ocorrem, é evidente, em função do reduto eleitoral dos partidos, que são aqueles locais que concentram maior número de eleitores de uma mesma legenda. Assim, duas legendas fortes em um município podem se mostrar invencíveis se unirem seus eleitores, e uma delas pode ser vulnerável em outra se o político local do partido parceiro tiver queimado o próprio filme, podendo contaminar o outro com suas “pisadas na bola”. Aí os arranjos locais se mostram necessários para harmonizar semelhanças e diferenças que se apresentem vantajosos para os dois lados. O lado bom desses “conluios” é que eles facilitam a diferenciação entre interesse político e fidelidade ideológica. Os que realmente se mantêm fiéis ao que acreditam geralmente optam por lutar para convencer o eleitor sobre suas propostas, ao longo de um histórico de sucessivas tentativas, em vez de apostar numa única eleição para chegar ao poder por meio das tais alianças circunstanciais e oportunistas.  Os adeptos destas apostam no enorme número de partidos existentes no país para deixar o leitor perdido entre tantas linhas ideológicas que dificultam, inclusive, descobrir-se quais, efetivamente, são respeitadas por seus membros. 

 

5 – OS “ATORES” NÃO ACREDITAM QUE VOCÊ VÁ CONFIRMAR O QUE AFIRMAM JÁ TEREM FEITO

Pense no seguinte: com um povo constituído por uma maioria desinformada e de interesses imediatistas que, por não receber o mínimo necessário, se contenta com qualquer coisa – e onde qualquer “show pirotécnico” traz mais resultado do que o investimento mínimo para um trabalho sério – quantos vão se preocupar efetivamente em “queimar a mufa” para promover mudanças duradouras? Mais vale uma “operação tapa-buraco” do que botar dinheiro na pavimentação, ou uma “caiação” na rachadura do que investir na fundação, não é assim? A gravação para a campanha na TV também coloca foco muito maior no impacto instantâneo que vai produzir em você do que em oferecer dados que possam ser checados, acerca do que lhe prometem. Não se faz necessário sequer usar de precisão técnica quanto aos benefícios que afirmam já ter proporcionado a seus eleitores, pois basta ser esperto o suficiente para mostrar apenas a sua versão dos fatos. Por maior que seja a lambança, e não importando toda a divulgação de que tenha sido alvo na ocasião, sempre se poderá mostrar “o outro lado da história”, oferecendo uma versão de “ações altruístas desvirtuadas por adversários políticos”. Lembra daquele conhecidos jargões do “isso não é meu” ou do “eu nem estou aqui” que divertiam você nos programas humorísticos? Pois não duvide: eles acontecem na vida real, e aqui não se mostram nem um pouco engraçados.

 

6 – OS “ATORES” CONTAM COM SEU COMODISMO PARA NÃO COBRAR O QUE DIZEM QUE VÃO FAZER

A internet está cheia de vídeos mostrando a diferença de postura de políticos quando diante e fora das câmeras (ou quando não desconfiam que estão sendo gravados). Mas quem se importa? Nenhum deles desconhece o perfil da maioria de seus eleitores, que dão provas cabais e diárias de desinteresse, desinformação, ignorância política e espírito mercenário que se vende por qualquer coisa. Há bem pouco tempo era fácil lidar com isso via coronelismo, influência local e “voto-de-cabresto”. Com o incremento da tecnologia e maior possibilidade de controle social tivemos algumas melhorias, mas não o suficiente para garantir que a esperteza dos maus políticos não consiga descobrir outro “jeitinho brasileiro” para contornar os obstáculos e garantir votos, já que boa parte de seus eleitores também torce para não “perder a boquinha” que seus candidatos oferecem quando se elegem, como ter emprego público sem jamais precisar comparecer à repartição. Afinal, quem é mesmo que paga a conta? Uma esmagadora fatia acha que não é ele, que apenas recebe, mas não ajuda a pagar. Então fica fácil prometer qualquer coisa, pois a maioria se acomoda apenas com a vantagem que lhe prometem. Afinal, quantos se dão ao trabalho de levar a cobrança a sério depois, num país em que quem o faz acaba com fama de “otário”?

 

7 – A ESPERANÇA SEMPRE É O RECURSO DE VELHAS RAPOSAS PARA PEGAR OVELHAS INGÊNUAS

Observe um fenômeno interessante que gira em torno do “estímulo à consciência política” dos cidadãos: os jovens não são maduros o suficiente aos 16 anos para responder por seus crimes, que têm alcance restrito, mas em contraste estão plenamente cônscios de suas responsabilidades na complexa tarefa de escolher as pessoas que decidirão a vida de todos os cidadãos, sem exceção!  Não requer ser especialista para conseguir entender essa matemática: a mesma adrenalina que incita o jovem a buscar atalhos para o sucesso pode tanto levá-lo ao submundo quanto à militância política. Ambas são fontes de poder, e o combustível natural dessa faixa etária é realização!  Não é de admirar, então, que o convite para a “consciência cidadã” só se estenda aos direitos, mas não às responsabilidades para com a sociedade. O jovem realmente consciente – e existem muitos, com certeza – tem conhecimento de que corruptores apostam na ingenuidade dos despreparados. Haja vista, inclusive, o enorme contingente de jovens que incessantemente engrossam quadrilhas em práticas criminosas, manipulados por adultos que se escondem na imputabilidade penal dos primeiros. A contribuição maior que estes jovens poderiam dar ao país seria cobrar do poder público a igualdade entre direito e dever para si mesmos, já que os que possuem tal consciência têm a prerrogativa de escolher o próprio caminho, e todo interesse em separar o joio do trigo para não ter amigos entre os manipulados, ou serem tratados como “farinha do mesmo saco”.

 

8 – A CENA A QUE VOCÊ ASSISTE FOI MUITO BEM ENSAIADA ANTES DE LEVADA AO PALCO

Tem aquele tipo de político que se costuma chamar de “carismático”, pelo enorme poder de atrair as massas para defender e replicar suas idéias. A política de agora, porém, não é a mesma de há 30 anos atrás, que apostava na liderança natural de seus partidários e até os escolhia por essa capacidade de captar adeptos. Atualmente existem profissionais altamente especializados em transformar qualquer candidato no político que qualquer população deseja. Tais especialistas passam suas vidas pesquisando as expectativas de seus nichos eleitorais de forma a preparar os que os contratam para se mostrarem como os verdadeiros “escolhidos de Deus” para governá-los. Então não se iluda com palavras bem colocadas, posturas firmes e respostas precisas. Tudo isso é resultado de um empenho extraordinário dos assessores de marketing para que cada gesto e cada olhar consiga passar ao eleitor toda a segurança que ele espera sentir em relação ao homem que escolherá para controlar o seu destino. É uma tarefa das mais difíceis atualmente diferenciar ética e retidão de um minucioso trabalho de interpretação cênica no horário político na televisão, bem como discernir um brilho real de um programado, no olhar do candidato. Isso tem mais a ver com sua capacidade analítica e sensibilidade do que com “receitas de bolo” para distinguir os legítimos representantes do povo dos “salvadores da pátria” de ocasião. O mais próximo de uma sugestão que se possa apresentar é: observe, acompanhe, compare momentos e históricos. Até os mais preparados dentre os que passaram por competentes especialistas caem em contradição quando antes da campanha não eram exatamente como  esperam que acreditemos quando se exibem no “palco”. 

 

9 – SUAS ESPERANÇAS SÃO COMPUTADAS COMO VOTO. SEU HISTÓRICO DE DECEPÇÕES IDEM.

Sabe-se que, para quem acredita, nenhum argumento é necessário; e para quem não acredita, nenhuma evidência é suficiente. Cada um embarca na canoa que se mostre mais identificada com seus próprios padrões de valores, não importa de que lado se apresente. Então a única escolha confiável, como já ensinava Sidarta Galtama, é o caminho do meio! Quando se vai com muita sede ao pote a tendência é deixar de perceber imperfeições que saltam aos olhos dos outros. E quando, por outro lado, não acreditamos que alguém possa mudar coisa alguma, cai-se no extremo oposto de deixar “correr frouxo”, para que os oportunistas se aproveitem de sua indiferença e inoperância, independente do que façam. Aqui, a opção mais acertada é marcar a que expressa a fórmula do “nenhuma das alternativas acima”, é evidente. Em tempos de política aflorada, o mais prudente é adotar o equilíbrio como prática diária: não aceitar nem desacreditar de nada que lhe chega sem uma cuidadosa pesquisa dos fatos, por todos os meios a que se tenha acesso; não se deixar entusiasmar com promessas mirabolantes, nem tampouco dando  ouvidos ao candidato que se mostra sensato e confiável demais. Ele pode ter sido muito bem preparado para isso. Então vale aprofundar a pesquisa de que falamos no tópico anterior, não se fixando em nenhum dos extremos entre ceticismo e confiança cega. Conhecimento, equilíbrio e prudência nunca são demais.

 

10 – NÃO SERÁ NOS PRÓXIMOS 4 ANOS QUE VOCÊ IRÁ OBTER O QUE NÃO TEVE NOS ÚLTIMOS 135, DESDE QUE PROCLAMARAM A REPÚBLICA.

Para finalizar esta lista, esteja atento para o fato de que uma única gestão não muda quase nada quando não existe um plano de governo focado em estratégias isentas de interesses puramente partidários. Todos conhecemos a mentalidade do “toma lá, dá cá”, inserida nessa selva de interesses da política partidária por todos os recantos do país.

Entretanto, nem todo “toma lá, dá cá” tem essa conotação nefasta que estamos acostumados a observar nas escusas trocas de favores entre nossos governantes. Ela se revelaria com elevados índices de positivismo, se aplicada à  relação entre as esferas do poder e a população. Pudéssemos nós obter o retorno da elevada carga tributária a que nos submetem na mesma proporção em que as pagamos, e todos os nossos problemas estariam resolvidos. Mas, por mais confiável que se mostre o seu candidato, não espere que ele vá resolver em seu mandato tudo o que não foi obtido ao longo dos nossos 125 anos de vida republicana. O alerta é para cobrar o que é possível de acontecer em relação ao momento histórico que o país atravessa, e isso não é fácil de ser compreendido por qualquer cidadão, por mais comprometido politicamente que se mostre. Assim, “devagar com o andor que o santo é de barro”:  pé no chão antes de achar que o “homem certo” é o que afirma que vai resolver todos os problemas que você enfrenta no seu dia a dia. Se ele se empenhar simplesmente no que é possível fazer, em vez de ser mais um a utilizar o mandato como cabide de emprego para si e seus “companheiros de lutas”, já terá sido uma grande contribuição para o país. Então busque a compreensão de que político bom é o que nos permite visualizar os avanços entre seu ponto de partida e a continuidade pelos que virão a sucedê-lo, mas que não se resolve as mazelas de um país como o nosso em 4 anos. Assim como um país precisa de estadistas mais do que de  políticos, ele também precisa mais de visão sistêmica do que de imediatismo norteando as expectativas de seus cidadãos.       

                                                                                     Luiz Roberto Bodstein

sábado, 16 de setembro de 2023

Pontevedra - A cidade onde os pulmões são felizes




A capital da Galícia, Pontevedra, é uma cidade de 84 mil habitantes situada a noroeste da Espanha. Em 1999, quando Miguel Anxo Fernandez Lores tornou-se prefeito de lá teve de enfrentar uma série de desafios: o município sofria com a má qualidade do ar, o êxodo de famílias jovens e uma economia local em crise.  Saiba mais...

terça-feira, 29 de agosto de 2023

FATOS & FOTOS que marcaram a história

 




sábado, 26 de agosto de 2023

Por que o bolsonarismo virou regra entre os evangélicos?

  

Observando mais de perto, a adesão de evangélicos ao bolsonarismo não é casual, e muito menos meramente circunstancial. A quantidade deles que optou por seguir os passos de Bolsonaro se deve a algo bem mais complexo do que uma aproximação pura e simples, mas de fusão por osmose. Traduzindo, não se trata de uma questão de convencimento massivo por meio da técnica que nos acostumamos a chamar de “lavagem cerebral”, mas de uma identidade estrutural e profunda pelo aspecto conceitual, sociológico, cultural, psicológico, ideológico e doutrinário em dimensão visceral e indelével, e não apenas superficial como acontece com aquelas coisas que nos despertam paixão em algum momento, e aos poucos vão se dissipando pelo efeito do tempo. 

Essa característica empresta ao fato um caráter ainda mais assustador, pois derruba a tese de que se trate de um fenômeno contextual decorrente da recente chegada da extrema direita ao poder, e se manteve circunstancialmente sob holofotes por atrair a atenção do país inteiro – e também do mundo –  para suas movimentações. Quando se fala em “fenômeno” entendemos tratar-se de algo eventual, com início, meio e fim, malgrado uma origem desconhecida e término imprevisível. Mas a característica mais evidente é a de que, em algum momento, ele cessa. A má notícia, neste caso específico, para aquelas pessoas que adotam a moderação e o equilíbrio como modelo de vida, é descobrir que ele não irá passar, como se pensava no início. E a razão disso é que o “fenômeno”, tecnicamente falando, se resumiu aos fatores que lhe deram causa –  incluindo um momento político de muita tensão e incertezas – mas não ao modelo que observamos hoje como parte integrante e indissociável do nosso cotidiano. 

Dessa abordagem, porém, trataremos mais à frente. Vamos agora nos concentrar naquela identidade estrutural que, antes do “efeito bolsonaro”, estava distribuída entre “bolsonaristas” e “evangélicos”, e até então tidos como coisas distintas. Já há algum tempo essa fronteira deixou de existir, e o que percebemos agora é uma massa compacta e uniforme de característica única em substância, pensamento e modus-operandi.   

A expressão usada para descrever essa uniformidade atingida entre bolsonaristas e evangélicos, a que chamei de “fusão por osmose”, para transformá-lo numa única massa de pessoas pensando exatamente da mesma forma e em todos aqueles aspectos mencionados, é perfeitamente visível quando listamos suas características, que justificam a expressão pejorativa de “gado” para descrever um comportamento “em bloco” desprovido do pensamento lógico e consistente, qualidade inerente a indivíduos que não admitem ser conduzidos pelo chamado “efeito-manada”. 

Embora alguns defendam que os evangélicos foram aliciados por um discurso conservador, mas claramente falso, que se aproximava dos objetivos deles – Deus, Pátria e Família – eu tendo a acreditar que não houve uma mudança real por parte desse grupo. Pelo menos a parte deles que se aliou – ou se fundiu – ao bolsonarismo, sempre pensou, falou e agiu em consonância com as premissas da ideologia, antes mesmo dela tomar o formato que assumiu no contexto da extrema-direita.  A parcela evangélica que não aderiu, em algum momento pode até ter sido seduzida pelo discurso usado como ardil, mas sua natureza focada em crenças legítimas e destituídas de interesses pessoais lhe mostrou que algo estava errado, e a fez repensar. Com isso vacinaram-se contra tudo o que que ainda viria, e que agora podem confirmar. 

Quanto aos evangélicos que a extrema direita nos revelou, inúmeros pontos em comum se estabeleceram entre eles e o conservadorismo representado pelo bolsonarismo emergente. Como principal característica, deixaram explícita sua recusa  em aceitar argumentos lógicos e comprováveis que contradizem crenças arraigadas e sem qualquer consistência; mas também derivou numa sequência de fatores complexos e interligados entre si, algumas das quais passo a descrever com o máximo de detalhes possível: 

Viés de confirmação por inclusão: As pessoas têm a tendência de buscar informações que confirmem suas pseudo verdades e crenças preexistentes (reais ou não) para rejeitar as que as contradizem, por mais consistentes e respaldadas que se mostrem na prática do cotidiano. Isso pode resultar numa escolha seletiva de informações que reforçam tanto as crenças quanto a recusa em considerar evidências contrárias. Evangélicos podem utilizar  a bíblia para esse efeito, políticos a Constituição, ou outros dispositivos legais. Em ambos os casos eles criam narrativas em cima de interpretações deturpadas desses instrumentos, seja por dificuldade cognitiva real ou por interesse na sustentação usada para se sobrepor às ideias de outrem. 

Viés de confirmação por exclusão:  As pessoas podem buscar respaldo para suas crenças fazendo uso de premissas forjadas ou inexistentes. Ao usar a bíblia ou a Constituição como fundamento, por exemplo, elas irão desconsiderar os versículos ou artigos dos dois instrumentos que se contraponham àquilo que tentam impor como a verdade a ser aceita. Em suma, elas criam uma versão dos fatos à sua própria imagem e semelhança, como se os dispositivos que os contradigam não existissem, e os elementos a favor ou contrários não estivessem ao seu alcance. 

Dissonância Cognitiva: Aceitar evidências contrárias às crenças arraigadas pode causar profundo desconforto psicológico nessas pessoas, o que pode se transformar num sentimento devastador de ódio e revolta contra quem as contrarie. Na tentativa de evitar esse desconforto elas tendem a ignorar ou rejeitar qualquer informação que entre em conflito com suas crenças construídas, independente de evidências ou até de provas concretas que as refutem. Ambos os grupos atuam de forma igual, onde as redes sociais atualmente desempenham um papel fundamental nas ações de disseminação de mensagens de viés dogmático ou doutrinário com as quais reafirmam suas teses de forma invasiva, sistemática, e à revelia de seus destinatários, sem respeitar-lhes as ideias, crenças, ou quaisquer outras características diferentes das suas. Pela parte dos evangélicos, eles acreditam “estar salvando” pessoas do inferno pela “disseminação da Palavra”, e por parte dos ideólogos políticos, buscam carrear mais pessoas – notadamente as mal-informadas – para suas correntes políticas focadas em poder, mesmo na ausência de qualquer proposta voltada para o bem coletivo.  

Identidade e Pertencimento: Crenças arraigadas – sejam religiosas ou políticas – constantemente vêm ligadas à identidade pessoal e ao senso de pertencimento a um grupo social, facilmente perceptível no tratamento entre seus membros. Pelo viés religioso estes se tratam por “irmãos”, “escolhidos”, ou “pessoas de Deus”. Pelo viés político, eles adotam denominações próprias e símbolos que remetem ao seu reduto de apoiadores. Não raramente se apropriam de símbolos nacionais na tentativa de legitimar sua imagem construída de um “lado certo” combatendo o mal, e neste quesito a política não se difere em nada das religiões. O ponto comum é que aceitar argumentos contrários pode ameaçar essa identidade e o sentido de pertencimento, o que leva as pessoas a uma resistência ferrenha a mudanças em suas crenças, e se voltar contra qualquer esforço externo de lhes mostrar que estão sendo manipuladas. 

Medo de Incerteza: Mudar crenças arraigadas pode levar a um estado de incerteza e medo do desconhecido. Algumas pessoas preferem manter suas crenças, mesmo que inconsistentes e ilógicas, em vez de enfrentar a incerteza que acompanha a mudança de perspectiva. Por isso criam uma longa e complexa lista de justificativas para afirmá-la, de modo a não ficarem vulneráveis diante dos que duvidem dela. Neste quesito tanto o grupo político quanto o evangélico seguem exatamente o mesmo modus-operandi, já que compartilham os mesmos medos em relação aos adversários, sempre tratados como uma guerra entre o bem e o mal.  

Efeito Backfire: Apresentar evidências contrárias pode, paradoxalmente, fazer com que as pessoas se apeguem ainda mais às suas crenças, em um fenômeno conhecido como "efeito backfire" ou “tiro pela culatra”. Quanto mais se tente demovê-las de uma ideia, mas se sentem  desafiadas a defender suas crenças com mais veemência do que antes. Há alguns anos esse tipo de ação se tornou popular nos EUA como “efeito Streisand”, que é quando o resultado obtido é totalmente inverso ao que se buscava. Nisso a política partidária e os grupos religiosos não apresentam qualquer diferença. 

Influência do Grupo: As opiniões do grupo ao qual uma pessoa pertence podem exercer uma pressão tão forte que se transforma em barreira intransponível para que a pessoa enxergue as inconsistências e fragilidades de suas crenças. O medo de ser excluído ou rejeitado pelo grupo pode levar alguém a ignorar quaisquer evidências contrárias simplesmente para favorecer o seu grupo, mesmo consciente de que as crenças defendidas por ele não se sustentam. E não é para menos: é comum que se sintam amedrontadas pela ideia da rejeição, ou até perseguidas depois de uma decisão que ameace a unidade do grupo, e isso vale tanto para a política, para o meio religioso, ou qualquer outro grupo que se reúna em torno de uma crença, conceito ou premissa do qual dependa sua manutenção, o que não exclui nem os grupos familiares.  

Dificuldade de Mudança: Mudar crenças profundamente enraizadas requer esforço cognitivo e emocional. Algumas pessoas podem achar difícil reconhecer que estiveram equivocadas, ou que as crenças defendidas por seu grupo se mostraram inconsistentes, o que pode dificultar a aceitação de novos argumentos que se lhes apresentem revelando a verdade dos fatos. 

Emoções e Percepções: As emoções e percepções pessoais muitas vezes desempenham um papel mais influente em nossas decisões do que a lógica pura. Mesmo que um argumento seja logicamente válido, se ele não ressoar emocionalmente é mais provável que seja rejeitado, e isso não significa, necessariamente, que seja uma questão de caráter ou de má-índole, mas tão somente de insegurança e apego àquilo que deixa as pessoas mais seguras. Conhecer a verdade dos fatos e negá-los não é tão simples quanto “decidir pelo lado certo”, para uma esmagadora maioria de pessoas, e isso se justificaria porque, diante de evidências incontestáveis, elas seguem apegadas às antigas crenças, ao seu grupo de origem, ou aos seus líderes, por piores e indefensáveis que se mostrem os mal-feitos deles. 

A primeira coisa a extrair desta questão é que as pessoas necessariamente não permanecem num determinado grupo porque querem continuar afrontando os contrários, e nem porque acreditam estar do lado certo: fazem-no simplesmente porque têm medo do que acontecerá a partir de sua decisão de se afastar. A pressão que sentem por estar onde estão lhes parece muito mais fácil de suportar do que desistir do espaço já conquistado, apenas por terem se acostumado a lidar com ela. O medo do que poderá sobrevir com a mudança pode ser muito maior, e isso as impede de tomar uma decisão mesmo que desejassem fazê-lo. Daí porque condená-las pode se mostrar injusto e até cruel, pois no máximo são pessoas fracas e inseguras frente à vida, mas não necessariamente “mau-caráter”, como alguns insistem em acreditar. 

É importante reconhecer que a resistência a argumentos lógicos não é exclusiva de um grupo específico de pessoas ou de um conjunto particular de crenças. Todos estamos suscetíveis a esses fatores psicológicos em diferentes graus, já que existem muitos fatores subjetivos envolvidos e toda uma complexidade de interpretações para justificar a permanência em qualquer dos lados. É claro que, instintivamente, nossa escolha deverá recair sobre aquela lógica majoritariamente aceita, focada em ética e discernimento quanto ao justo, e da percepção sistêmica em relação ao benefício coletivo. Só que todas essas premissas também sofrem influências decorrentes da moral vigente, e das regras que regem o contexto social onde tudo se insere.  

Parodiando Nelson Rodrigues – quando sustentou que toda unanimidade é burra – faz-se necessário lembrar que não há regra sem exceção. Chamo atenção, portanto, que nas vezes em que se leu “evangélicos” ao longo deste texto não estivemos falando daqueles grupos religiosos com que nos acostumamos a conviver até 2018 – que tratavam religião como religião – mas desses a que fomos apresentados depois, que a transformaram numa forma de prostituir a política como um fim em si mesmo, em lugar do tão buscado meio de nos tornar melhores. 

Existem, sim, evangélicos que seguem sendo evangélicos, na verdadeira acepção da palavra, e não apenas esses que usam a denominação como um escudo para disfarçar a natureza que sempre lhes foi inerente, ainda que não o tivessem expressado até aqui.  Mas, infelizmente, esses hoje são minoria diante da horda de “evangélicos” que trocaram a divindade metafísica que afirmavam venerar por outra bem mais concreta e “palpável” em seu sentido mais literal, que acabou por convertê-los de “crentes” em “seguidores”.  

Em relação a esse grupo que se manteve fiel às suas raizes espirituais por estar concentrado em sua busca e distante do embate político, meu sentimento é de que são tão vítimas quanto as pessoas que preservaram seu equilíbrio e visão de mundo, passando ao largo do que veio depois. Até mais do que estas, talvez, pois que ganharam uma espada maior pendendo sobre suas cabeças, até que novos tempos consigam transformar toda essa tragédia em passado, e de novo possam voltar a se apresentar como evangélicos sem medo do desprezo e do ressentimento que seus pretensos “irmãos”  lhes legaram, sob o manto de uma falsa unidade de fé.  

Há que se considerar portanto que, a rigor, o fardo que irão carregar se mostre ainda mais pesado que o de todo o restante da população, pois que a pecha de “bolsonaristas”, plena de conotações das mais indígnas e pejorativas, os irá acompanhar ainda por muito tempo, a exemplo do antisemitismo que permanece vívo séculos depois de criado, e ainda dá causa a conflitos e sofrimento para milhões de pessoas mundo afora. Possivelmente por muito tempo ainda terão que vivenciar uma diáspora  por que nenhum cristão ou praticante de qualquer outra religião mereceria passar, por suas igrejas se terem transformado em verdadeiras fontes de desinformação ou redutos de manipuladores disfarçados de líderes religiosos.  

E quanto a todos os demais que se mantiveram lúcidos para perceber a tragédia social em que estivemos envolvidos nestes últimos anos, o importante é ter em mente que ela nos introduziu uma nova era em que “a guerra do bem contra o mal” não vai acabar com a saída de Bolsonaro do cenário político. Seus seguidores, representados pela extrema-direita mundial, foi introduzida no país – como dito no início – de forma indelével e permanente, restando-nos apenas descobrir formas de lidar com ela para que não nos pegue tão desprevenidos e vulneráveis quanto estivemos quando ela ocupou o espaço que nos foi sonegado em algum momento.  A batalha vai ser dura, mas, como sempre acontece, descobriremos a forma de resistência que mais se adeque a esse gigantesco desafio... e acredite:  sobreviveremos!


sexta-feira, 18 de agosto de 2023

A HORA DA VERDADE - G1 18.08.2023

 




Após decidir que vai admitir a venda de joias a mando do presidente Jair Bolsonaro (PL), o ex-ajudante de ordens Mauro Cid afirmou a interlocutores que "agora, é a hora de proteger a minha família".

Ver a família sendo alvo de investigações da Polícia Federal (PF) foi determinante para que Cid tomasse a decisão de confessar que vendeu as joias recebidas como presentes ao governo brasileiro e admitir que entregou o dinheiro a Bolsonaro. O pai de Cid, Mauro Cesar Lorena Cid, foi alvo de um mandado de busca e apreensão no dia 11 de agosto, durante uma operação da Polícia Federal.


Lorena Cid é general do Exército e foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), nos anos 1970. Segundo as investigações, ele é suspeito de negociar as joias e outros bens nos Estados Unidos. Ainda de acordo com a PF, o militar recebeu o dinheiro da venda das joias e relógios em uma conta que tinha nos Estados Unidos.




Cid filho vai falar


Na noite desta quinta-feira (17), o advogado de Mauro Cid, Cezar Bittencourt, afirmou que o ex-ajudante de ordens vai dizer que entregou dinheiro a Bolsonaro após vender nos Estados Unidos joias que foram dadas como presentes ao governo brasileiro.



A informação foi revelada pela "Veja" e confirmada pela TV Globo. Preso desde maio, Cid era um dos principais homens de confiança de Bolsonaro ao longo do mandato na Presidência. De acordo com o Tribunal de Contas da União, os presentes recebidos deveriam ser incorporados ao acervo da União, e não vendidos como itens pessoais. Bittencourt assumiu a defesa de Cid na terça-feira (15). Ele é o terceiro advogado do caso desde que Cid foi preso. Bittencourt, em entrevista à GloboNews nesta semana, já havia dito que Cid apenas cumpria ordens.


As joias


Investigações da Polícia Federal mostram que joias e presentes entregues a Jair Bolsonaro no exercício do mandato de presidente começaram a ser negociados nos Estados Unidos em junho de 2022.

Naquele mês, a equipe de Mauro Cid solicitou ao Gabinete de Documentação Histórica a lista dos relógios recebidos de presente pela Presidência até aquele ponto do mandato do então presidente.

No dia 2 de junho de 2022, outro ajudante de ordens recebeu a lista de 37 itens com os dados dos fabricantes de cada um, como solicitado por Cid.

Quatro dias depois, Cid retirou do acervo um kit de joias — composto por um relógio da marca Rolex de ouro branco, um anel, abotoaduras e um rosário islâmico — entregue a Bolsonaro em uma viagem oficial à Arábia Saudita em outubro de 2019.


No dia 8 de junho de 2022, Bolsonaro e Cid viajaram aos Estados Unidos para participar da Cúpula das Américas, em Los Angeles. Segundo a Polícia Federal, Mauro Cid levou, no voo oficial da FAB, o kit de joias. Os investigadores afirmaram que ele não voltou para o Brasil com a comitiva e que levou as joias para a casa do pai, Mauro Cesar Lourena Cid — que ocupava, desde 2019, um cargo no escritório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), em Miami.


No dia 13 de junho de 2022, Mauro Cid viajou para a Pensilvânia para vender o relógio Rolex de ouro branco e outro relógio da marca Patek Philippe. A PF localizou, a partir da análise de dados armazenados na nuvem do celular de Mauro Cid, um comprovante de depósito da loja no valor de US$ 68 mil nessa mesma data. Esse valor corresponde a R$ 332 mil.


Um relatório do Coaf, enviado à CPI dos Atos Golpistas e obtido pelo g1, apontou transações financeiras consideradas atípicas nas contas de Lourena Cid. O relatório destaca que, de fevereiro de 2022 a maio de 2023, ele movimentou quase R$ 4 milhões — entre valores recebidos e enviados.


Fonte:  Blog da Natuza Nery - G1


sábado, 12 de agosto de 2023

Participação de militares no governo - Um debate necessário

 


O desastre da participação política de militares no governo Bolsonaro suscitou um debate que precisa ocupar amplo espaço na sociedade civil, por se tratar de questão complexa envolvendo diversos aspectos políticos, legais e institucionais. 

Em muitos países, a separação entre as esferas civil e militar é uma parte fundamental da democracia e do estado de direito. Permitir que militares da ativa participem diretamente do governo pode comprometer essa separação e criar um ambiente onde a linha entre as instituições militares e civis se torne tênue o bastante para ameaçar a estabilidade política e a democracia em si. 

Uma regra desse tipo poderia ser vista como uma ameaça à civilidade das instituições militares – que historicamente têm como princípio a subordinação ao poder civil – além de que, como ficou exposto no governo findo,  o envolvimento de militares da ativa no governo tem potencial explosivo para criar dilemas éticos e conflitos de interesse, uma vez que cabe aos militares a responsabilidade primordial de garantir a segurança e a estabilidade do país, papel esse que poderia ser comprometido se estiverem simultaneamente envolvidos em decisões políticas. 

A maioria dos países democráticos possui leis e regulamentos que regulam a relação entre o poder civil e o militar, geralmente com o objetivo de deixar bem visível a separação de funções e responsabilidades. A alteração dessas leis exigiria uma mudança legal ou até constitucional, devendo ser objeto de debates intensos na sociedade e nos órgãos legislativos. Mas não resta dúvida de que esse debate precisa ser feito de modo a propiciar uma análise cuidadosa de suas implicações para a democracia e a estabilidade do país. 

A experiência vivida nesses últimos 4 anos do governo Bolsonaro passam uma mensagem clara de que não dá para continuar tratando esse assunto de forma periférica e superficial, muito menos ignorando sua importância de modo a continuar sendo empurrado com a barriga para os próximos governos.